«Este doente tem contra-indicação para ser internado em casa?»
"Tratar e cuidar em casa!" Segundo a internista Olga Gonçalves, é desta forma que é apresentada a Hospitalização Domiciliária "ao doente e à sua família e/ou seu(s) cuidador(es) sempre que, no Serviço de Urgência, no Hospital de Dia, no internamento ou na consulta externa, procedemos à avaliação de um potencial candidato".
A médica, que é a coordenadora adjunta do Núcleo de Estudos de Hospitalização Domiciliária da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, destaca que "nem todos aceitam e nem todos podem ser admitidos". Os motivos são claros: "Impõem-se estabilidade clínica, viabilidade da execução do plano terapêutico, distância aceitável ao hospital e retaguarda de apoio e co-vigilância do doente."
A necessidade de "melhor suporte pelos organismos institucionais"
"A Hospitalização Domiciliária é uma gota - cada vez mais expressiva - no oceano assistencial", afirma Olga Gonçalves, mas é também considerada como "a forma de tratamento eficiente e segura no conforto do lar". Contudo, "carece de maior divulgação e melhor suporte pelos organismos institucionais", assegura a médica, que recorda a reunião que se realizou em março, em Coimbra:
"Convocadas pela tutela para um 3.º Encontro Nacional, as equipas de Hospitalização Domiciliária apresentaram e reviram atuações e, sobretudo, concretizaram aspetos de melhoria organizacional e funcional, mormente os que dependem da intervenção do ministério."
E algumas mudanças já ocorreram entretanto. Olga Gonçalves refere que "uma primeira resposta já surgiu com a alteração legislativa em prol dos cuidadores, seu direito a teletrabalho, horário flexível ou tempo parcial e proteção contra o despedimento e discriminação". Uma medida que considera essencial, pois "não basta querer ser cuidador".
A responsável assegura, aliás, que "muitas admissões em Hospitalização Domiciliária foram goradas porque era indispensável ao familiar manter a presença no posto de trabalho!".
"O cenário hospitalar não se propicia aos ensinos"
A preocupação em promover a literacia em saúde junto de doentes e cuidadores é de especial importância, conforme adianta a coordenadora médica da Unidade de Hospitalização Domiciliária (UHD) do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho:
"A amplidão do tratar e cuidar em casa, ainda tão desconhecida, mas quotidianamente vivenciadas pelas equipas HD, tendo o doente como principal destinatário, é indissociável da preocupação com os cuidadores."
Para Olga Gonçalves, não há qualquer dúvida de que "o cenário hospitalar, bem distante da realidade de casa, não se propicia aos ensinos, à exemplificação cuidadosa, repetida e paciente das tarefas que incubem a quem trata".
Por esse motivo, há um ano a sua equipa de UHD lançou precisamente a Oficina dos Cuidadores, “uma ação inédita que parte da necessidade de promovermos a literacia em saúde dos cuidadores”.
Assim, a médica considera que "é precisamente desta atenção operante que se colhem os melhores resultados - a capacidade de gerir receituário, de parametrizar sinais vitais, de identificar primeiros indícios de agravamento, de valorizar adequadamente a dieta, os exercícios de reabilitação, a ocupação dinâmica do tempo."
Como consequência, verifica-se uma "diminuição significativa do recurso a cuidados de urgência e reinternamento, como testemunham os trabalhos submetidos para apresentação no 3.º Congresso Nacional HD no próximo mês de junho".
A "integração decisiva" do assistente social na equipa
Olga Gonçalves faz questão de reforçar a ideia de que "os aspetos relativos à literacia não se restringem à esfera clínica", indicando que "envolvem intrinsecamente a vertente socio-familiar e cultural" e desenvolve a ideia:
"Todos os dias se constata o desconhecimento dos direitos inerentes, das redes de apoio disponíveis, dos recursos que podem ser utilizados. também por isso se faz tão decisiva a integração do assistente social na equipa UHD. Durante, mas sobretudo finda a situação de cuidador, é indispensável que o cidadão em causa possa retornar serenamente ao círculo social, retomando uma vida profissional ativa."
E o que anima as equipas de UHD? "A certeza de que, num futuro breve, a pergunta a ser logo colocada será: Este doente tem contra-indicação para ser internado em casa?"
E acrescenta: "A apreciação tão unanimamente positiva, de doentes e cuidadores, sobre o trabalho desempenhado é a âncora do nosso esforço renovado cada manhã. Contudo, para disponibilizar este internamento a um número crescente de cidadãos implica também (sobretudo) a resposta positiva às solicitações já apresentadas."