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Cuidados Paliativos: pandemia não impediu a criação da Equipa Comunitária de Gaia

Dificilmente a Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP) de Gaia poderia ter surgido num período mais crítico que o atual. Criada a 3 de março, e coordenada por Carla Mota, a equipa não esmoreceu e redobrou os esforços, de forma a prestar um acompanhamento, "ainda mais necessário nesta altura", a utentes e familiares.

A paixão da responsável pela ECSCP de Gaia em apoiar os utentes na área dos cuidados paliativos há muito que existia na sua vida: “Como médica de família, senti que me faltava formação na fase final da vida e no luto, apesar da visão global que temos na MGF.”

Esta lacuna formativa levou Carla Mota, que assegurou a coordenação da USF Barão do Corvo até fevereiro deste ano, a fazer o mestrado em cuidados paliativos e a deixar a Medicina Geral e Familiar (MGF), “mas não os seus conhecimentos”.


Carla Mota

A médica recorda ainda que "a MGF está a passar por um momento complexo, em que temos pouco tempo para estar com os doentes", sendo que nos cuidados paliativos, "consigo gerir melhor os limites temporais."

Além de Carla Mota, a equipa conta com mais dois médicos, três enfermeiras, uma psicóloga e uma assistente social. 


Preparação para mais uma visita ao domicílio

"O investimento em cuidados paliativos vai reduzir várias despesas diretas e indiretas"


“Temos que investir tanto no início como no fim da vida, isso é o mais justo”, afirma Hugo Ribeiro, um dos elementos que integra a ECSCP de Gaia.  

O médico de família na USF Barão do Corvo, que está também, atualmente, a fazer doutoramento em cuidados paliativos na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), considera que, apesar de algum caminho feito, ainda não se dá o devido valor a esta competência:

 “Não se vê grande interesse em tornar os cuidados paliativos uma área central na prestação de cuidados de saúde, mas isto é altamente incorreto."


Hugo Ribeiro

E explica porquê: “Não faz qualquer sentido falar-se em custos na saúde, mas sim em investimento. O investimento em cuidados paliativos vai reduzir várias despesas diretas e indiretas, ao diminuir as idas às urgências, reospitalizações, absentismo laboral dos cuidadores, menor risco de problemas de saúde mental da parte dos cuidadores, etc.”

A aposta nesta área é mais que óbvia!”

“Qual o sentido de termos pessoas desamparadas, com falta de ar, náuseas, astenia e falta de apetite sem acompanhamento? A aposta nesta área é mais que óbvia!”, sublinha Hugo Ribeiro. 



O especialista realça que estes cuidados não se cingem apenas a doentes terminais, apesar de, devido à escassez de recursos humanos, aqueles serem a maioria dos casos:

“Podem ser casos oncológicos, neurodegenerativos, insuficiências de órgão ou até uma osteartrose avançada. São pessoas que precisam do apoio dos seus médicos assistentes e de especialistas nesta área que saibam como aliviar os sintomas, para terem melhor qualidade de vida”, considera.

Para Hugo Ribeiro, a par dos cuidados paliativos, também os cuidados prestados na área da dor e em geriatria exigem uma maior preparação de muitos profissionais, motivo que o levou a impulsionar a criação da Iniciativa Médica 3M (IM3M), uma associação que promove cursos para profissionais, precisamente apenas e só nestes três campos. 



"O mais difícil é a gestão emocional"


As lacunas na formação em cuidados paliativos também foram sentidas por Isabel Chaves e Castro que, além de médica de família, foi, até março, diretora executiva do ACES Grande Porto VII – Gaia. “Foram 16 anos na Direção, contribuí para que esta equipa fosse formada, mas o objetivo era mesmo estar aqui como paliativista”, garante. 


Isabel Chaves e Castro

Tal como os colegas, despertou para esta área quando, como médica, não sabia como lidar com o fim de vida. Em declarações à Just News, reconhece: “O mais difícil é a gestão emocional, porque lidamos com estes casos de forma muito isolada -- mesmo agora, com as USF. Depois é toda a componente técnica de alívio dos sintomas.”

E, neste ponto, alerta: “Ainda há muitos mitos, por exemplo, em torno da morfina. Os profissionais temem este tipo de medicação por poder alterar o estado da pessoa, mas, quando dada na dose adequada, minimiza o sofrimento, inclusive da família.”


Júlia Magalhães

Quem também está sempre presente nas idas a casa dos doentes são as enfermeiras. É o caso de Júlia Magalhães que, após anos em cuidados na comunidade, percebeu que tinha algo mais a aprender sobre o fim de vida. “Nem todos querem morrer em casa, mas quem o pede precisa de ter profissionais especializados que os apoiem”, defende.

Apesar de ser um trabalho exigente, que se tornou ainda bem mais complexo com a pandemia, a enfermeira faz questão de sublinhar que é igualmente muito gratificante:

“É saber que fizemos a diferença e que o utente teve uma morte mais tranquila com o controlo dos sintomas e que também ajudámos a família a sentir que fez tudo o que podia, evitando-se o luto patológico”.




"Falta-nos a expressão facial, antes das palavras”

O mais difícil para toda a equipa, nestes primeiros meses, foi a comunicação por causa do uso de equipamento de proteção individual. “O pior é comunicar à família que o momento da morte está a chegar. Falta-nos a expressão facial, antes das palavras”, realça Carla Mota.

Quanto ao futuro, a equipa espera poder contar com mais recursos "para se alargar o horário após as 17h e ao fim de semana e feriados", mas não só. "Gostaríamos de ter espaço para uma consulta de cuidados paliativos, para quem ainda tenha alguma mobilidade."


Alguns dos elementos da equipa: Hugo Ribeiro, Júlia Magalhães, Carla Mota e Isabel Chaves Castro



A notícia sobre a Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP) de Gaia pode ser lida na edição de outubro do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários, no âmbito de uma reportagem sobre a USF Barão do Corvo.
Jornal distribuído em todas as unidades de cuidados primários do SNS. 
Porque as boas práticas merecem uma ampla partilha entre profissionais!

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