Cardiologia do CHLeiria: começar do zero e «criar um Serviço de excelência»
O objetivo foi sempre o mesmo desde que João Morais aceitou o convite para criar o Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Leiria: ir ao encontro das melhores práticas para se tornar uma referência na região centro de Portugal e um polo entre a capital e a cidade dos estudantes.
Foi em 2001 que João Morais aceitou um dos desafios de que mais se orgulha na sua vida profissional: fazer renascer a Cardiologia no Hospital de Santo André, que “praticamente não existia, estando quase em extinção”.
Admite que foi uma mudança radical quando resolveu deixar para trás a instituição onde trabalhava, os Hospitais da Universidade de Coimbra. “Imagine, largar o mega hospital em que estava, onde tinha uma equipa fantástica de médicos e de enfermeiros, com todas as técnicas ao dispor, para ir para um sítio com apenas um colega e onde não havia quase nada…”
Apesar de, inicialmente, ter sido “uma autêntica travessia do deserto”, a partir de 2008/2009 começou a ver crescer o Serviço de que continua a ser o diretor.
Ausência de "uma visão a longo prazo"
Atualmente, o Serviço de Cardiologia do CHL "é de excelência, com ótimos profissionais, tecnologia de ponta e é procurado pelos internos da especialidade com melhores notas do País!”, assegura João Morais, que viu o trabalho que desenvolveu igualmente reconhecido pela população: “A cidade de Leiria atribuiu-me uma medalha de mérito pelos serviços prestados, foi muito gratificante para mim.”
Contudo, quando o médico chegou a Leiria, a Cardiologia era uma das valências do então Serviço de Especialidades Médicas e, na equipa, apenas havia um cardiologista que, aliás, acabaria por se reformar pouco tempo depois. “Foi um grande embate perceber que a Cardiologia tinha sido pensada de forma desajustada, sem se ter uma visão a longo prazo, não se perspetivando que esta seria a especialidade que mais iria crescer”, aponta.
"É preciso apostar na diferenciação tecnológica"
Mas a vontade de começar a “partir pedra” e de fazer a diferença não impediu João Morais de continuar em frente. “Tive a felicidade de contar com o apoio do Conselho de Administração, que também entendeu que a Cardiologia é uma especialidade âncora em qualquer unidade hospitalar e que era essencial existir um polo entre Coimbra e Lisboa, que desse resposta a essa necessidade”, recorda.
E assim se iniciaram várias mudanças… até aos dias de hoje. Atualmente, dispõe, além das consultas externas e dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, de um total de 15 camas, seis das quais destinadas a internamentos eletivos para a realização de atos de diagnóstico e terapêutica.
A “menina dos olhos” é a Unidade de Hemodinâmica e Intervenção Cardiovascular (UHICV). “É fundamental nesta especialidade e faz toda a diferença. Para se ser um serviço de excelência é preciso apostar na diferenciação tecnológica e as áreas da Angiografia e da Hemodinâmica são absolutamente essenciais, sem nunca esquecer o Laboratório de Ultrassonografia Cardíaca”, realça João Morais.
Os utentes têm à sua disposição o cateterismo cardíaco diagnóstico e de intervenção terapêutica endovascular, coronária, carotídea e arterial periférica, além de também se proceder à implantação de dispositivos de estimulação elétrica (pacemaker) temporária ou definitiva.
A UHICV oferece ainda equipamento de angiografia de última geração, assim como para estudo funcional coronário (Fractional Flow Reserve) e ultrassonografia intracoronária.
Criação de grupo de trabalho com "prestigiados cardiologistas de intervenção"
Também na Unidade o médico cardiologista quis fazer algo diferente. “Começámos este projeto sem pessoas, recorrendo, para o efeito, a colaboradores externos”, recorda.
De forma concreta, “como se trata de procedimentos que exigem grande experiência, o projeto só poderia avançar com elementos de elevada e reconhecida competência na área, tendo sido convidados alguns profissionais com os quais criámos um grupo de trabalho coordenado por dois dos mais prestigiados cardiologistas de intervenção, Henrique Cyrne de Carvalho e José Baptista”, diz.
O primeiro é diretor do Laboratório de Hemodinâmica do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar do Porto - Hospital de Santo António e o segundo é atualmente coordenador da Unidade de Cardiologia de Intervenção do Hospital Lusíadas Lisboa. “Desta forma, temos médicos que fazem parte da nossa equipa, estão sob a minha coordenação e são fixos”, observa.
E continua: “No primeiro cateterismo contámos com o apoio de profissionais médicos, técnicos e enfermeiros de elevadíssima competência, assegurando assim a qualidade e, acima de tudo, a segurança do doente.”
Atualmente, a equipa já é autónoma na área do Pacing e, no próximo ano, deverá também sê-lo na área da Hemodinâmica. “Temos profissionais médicos e não só, com experiência crescente, com os quais construiremos o nosso modelo de funcionamento de forma autónoma”, afirma João Morais.
O cardiologista faz ainda questão de destacar o Laboratório de Ecocardiografia, que coloca o CHL “ao lado dos melhores do país, com profissionais muito competentes e autónomos, numa área que é fundamental na Cardiologia”. Refere-se ainda à Consulta de Cardiomiopatias, "em crescimento, que existe em poucos serviços".
Uma equipa "de excelência, com ótimos profissionais e tecnologia de ponta"
É necessária ambição ou "acaba-se por se estagnar"
Para o diretor, todos estes projetos que se têm concretizado assentam numa única lógica: “A ideia central é estabelecer uma baseline no Serviço, mas olhando sempre em frente, porque a Cardiologia, além de tratar a doença que mais mata, é a especialidade que garantidamente mais evolui no mundo, por isso, se não se for ambicioso acaba-se por se estagnar.”
E é nesse sentido que João Morais quer mais para o seu Serviço: “Já disse ao ministro da Saúde que não pode olhar para o CHL como um hospital de periferia, sem grande relevância, porque somos um dos melhores do país e queremos ser comparados sempre com os melhores.”
A reportagem completa pode ser lida na última edição de LIVE Cardiovascular, onde João Morais aborda outros temas e adianta algumas novidades, sendo igualmente entrevistados mais profissionais do Serviço de Cardiologia: Filipa Januário (fisiatra), Luzia Matos (técnica de cardiopneumologia) e Ângela Calé (enfermeira-chefe).