Cepheid Talks

Oncogeriatria: «A importância da avaliação geriátrica global e o seu impacto no tratamento»


Paulo Sousa Almeida

Especialista em Medicina Interna do CHUSJ, com competência em Geriatria pela OM. Membro do Secretariado do NEGERMI



O envelhecimento da população é um fenómeno mundial e progressivo, prevendo-se que nas próximas décadas se verifique um aumento substancial da população idosa, particularmente dos indivíduos com mais de 85 anos, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. Considerando a idade como o principal fator de risco para a maioria das neoplasias, facilmente se depreende a elevada incidência de cancro na população idosa.

De facto, segundo o Registo Oncológico Nacional de 2018, a maioria dos novos casos de cancro ocorreu na população com mais de 60 anos (77.4% quando considerado o sexo masculino e 65.3% o sexo feminino), sendo que cerca de um terço aconteceu naqueles com 75 ou mais anos.

Ainda assim, a população idosa é sub-representada nos ensaios clínicos, o que se associa a menor informação disponível sobre riscos e benefícios do tratamento do cancro nos idosos e a escassas recomendações específicas para os doentes idosos. Para além disso, os doentes idosos têm múltiplas particularidades clínicas que interferem no diagnóstico, estadiamento, tratamento e prognóstico das neoplasias e que deverão ser exaustivamente consideradas.


Paulo Sousa Almeida

As alterações fisiológicas da senescência como a alteração da composição corporal e a imunossenescência podem interferir na farmacocinética dos fármacos antineoplásicos e na imunoterapia, respetivamente. As síndromes geriátricas como polimedicação, multimorbilidade, desnutrição, sarcopenia, depressão, demência e deterioração funcional associam-se à fragilidade e, consequentemente, a um pior prognóstico vital e funcional, risco de institucionalização e diminuição da sobrevida.

Portanto, considerando não só a variabilidade clínica como também a heterogeneidade interindividual do envelhecimento, impõe-se como necessidade basilar a distinção entre a idade cronológica e a idade biológica de cada indivíduo, a fim de estimar de forma mais precisa o possível benefício de cada intervenção diagnóstica ou terapêutica.

Na verdade, o preconceito pela idade, idadismo ou ageísmo tem-se associado, em múltiplos estudos, a subtratamento dos doentes com cancro, o que implica uma menor probabilidade de os doentes mais idosos receberem o tratamento mais apropriado para a sua neoplasia.

Uma metodologia fundamental

A Avaliação Geriátrica Global (AGG) surge, assim, como uma metodologia fundamental para diagnosticar de forma precisa e completa todos os problemas do idoso (comorbilidades e síndromes geriátricas), avaliar de forma multidisciplinar o idoso nos planos em que poderá ser deficitário (designadamente o estado funcional, cognitivo, nutricional e social) e planear estratégias de compensação, reabilitação e prevenção, visando a autonomia e a qualidade de vida e atrasando o declínio funcional e a institucionalização.

No doente idoso com cancro, a AGG poderá permitir uma maior precisão na individualização do tratamento, esclarecendo se o idoso será suficientemente fit para receber determinado tratamento ou se, pelo contrário, poderá aumentar a toxicidade e a morbimortalidade.

A AGG também se relaciona com uma melhor estimativa do prognóstico e esperança de vida, identificação das estratégias de pré-habilitação mais eficazes e redução das complicações e iatrogenia. De facto, o benefício da AGG em doentes idosos com cancro já foi comprovado por vários estudos, destacando-se o GAP-70+ e o GAIN, que mostraram uma redução da toxicidade da quimioterapia no grupo em que realizou a AGG.

Atualmente, a realização de AGG a todos os doentes com cancro com 65 ou mais anos, particularmente naqueles com  rastreio de fragilidade positivo, é uma recomendação consensual a todas as sociedades científicas internacionais.

Pese embora esta recomendação, em Portugal, não é prática clínica habitual a realização de AGG em doentes idosos com cancro, desvalorizando-se as particularidades clínicas destes doentes, o que pode implicar o aumento da toxicidade e da morbilidade associada aos tratamentos ou, por outro lado, o subtratamento devido ao preconceito da idade, reduzindo assim a sobrevida e a qualidade de vida.



O artigo pode ser lido na edição de fevereiro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Primários, no âmbito de um Especial dedicado à 5.ª Reunião do Grupo de Estudos de Geriatria da SPMI.

Dirigido a profissionais de saúde e entregue nas unidades de saúde familiar (USF) de Portugal, esta publicação da Just News tem como missão a partilha de boas práticas, de boas ideias e de projetos de excelência desenvolvidos no âmbito do SNS.

seg.
ter.
qua.
qui.
sex.
sáb.
dom.

Digite o termo que deseja pesquisar no campo abaixo:

Eventos do dia 24/12/2017:

Imprimir


Próximos eventos

Ver Agenda