Unidade de Insuficiência Cardíaca quer incluir médicos e enfermeiros de família no projeto
"Quando elaborámos este projeto, o objetivo já era envolver os colegas dos Cuidados de Saúde Primários, de forma a colocar ‘braços’ da Unidade nos centros de saúde", afirma José Ribeiro Eira, coordenador da Unidade de Insuficiência Cardíaca da ULS de Trás-os-Montes e Alto Douro desde a sua inauguração, em setembro de 2019.
"Elos de ligação com os profissionais hospitalares"
Em entrevista à Just News, o médico salienta a necessidade do "doente circular livremente entre a Unidade de IC e o seu médico de família, o que, por vezes, não acontece, porque as portas estão fechadas”.
A meta está bem definida e, apesar de ainda não ter sido alcançada, o trabalho tem sido desenvolvido e os resultado são positivos. No entanto, o responsável faz questão de manter a fasquia elevada:
“Não desisti de transformar esta unidade hospitalar numa ‘unidade do doente’, à qual o especialista em MGF e o enfermeiro de família também pertencem. Só com esse trabalho conjunto é que se pode trabalhar para o doente.”
Por isso, o que o nosso interlocutor pretende é que “em cada centro de saúde haja um elemento médico e um de enfermagem mais dedicados à IC, que possam ser os elos de ligação com os profissionais hospitalares”.
José Ribeiro Eira
Os médicos de família podem "trocar ideias e tirar dúvidas connosco"
Enquanto tal não é possível, tem desenvolvido ações de sensibilização junto dos colegas dos CSP para o estabelecimento de contacto com a Unidade. “Temos um número de telefone direto que permite aos médicos de família trocar ideias e tirar dúvidas connosco", afirma.
José Ribeiro Eira avança que cerca de 10 a 15% dos doentes são referenciados pelo médico de família e destaca a forma positiva como o processo é feito:
“Muitos dos doentes chegam já com a doença praticamente estratificada porque trazem um conjunto de exames que a confirmam, como ecocardiograma, eletrocardiograma e alguns raio-x do tórax, para além das manifestações clínicas da doença, nomeadamente, edemas, dispneia e cansaço fácil. Por sua vez, a nível hospitalar, muitas vezes, são-nos referenciados doentes que apenas têm o NT-proBNP aumentado, quando essa condição não é exclusiva de doença cardíaca”.
Paralelamente, o internista vê o espaço como “uma Unidade que trabalha para o doente, em que a Consulta e o Hospital de Dia não estão isolados. Por isso, quando aquele recorre à Unidade, é recebido pelos serviços administrativos e assistente operacional e avaliado pelas equipas de enfermagem e médica, quer tenha ou não algum tratamento a fazer”.
No fundo, “trabalhamos em conjunto e não existe propriamente um modelo de consulta ou de mero hospital de dia. Há um misto, onde o doente vem para a consulta programada ou urgente”.
Controlar o número de idas à Urgência e de (re)internamentos
O coordenador da Unidade afirma que o projeto nasceu fruto da “necessidade de controlar as idas frequentes à Urgência e os internamentos e reinternamentos consecutivos por IC descompensada, que corresponde a um dos diagnósticos mais prevalentes no Internamento de Medicina Interna”.
Como explica, “muitos doentes não estavam diagnosticados e necessitavam de um apoio próximo, que nem o médico de família nem a Cardiologia conseguiam dar”. Até então, não existia sequer qualquer consulta dedicada de IC realizada pela Medicina Interna ou pela Cardiologia.
Com a criação da Unidade de IC, que em Vila Real está aberta às segundas, terças e quintas-feiras, das 14h às 20h, e funciona por consulta telefónica entre as 8h e as 20h, e ainda das 8h às 15h, nos restantes dias, o nosso interlocutor avança que o anterior cenário deixou de se verificar.
“Fazemos o ensino ao doente e ao cuidador relativamente a alguns sinais de agravamento da IC e disponibilizamos o nosso contacto, para podermos orientar alguma terapêutica, nomeadamente diurética, ou gerir a sua vinda à Unidade, em caso de necessidade”, refere.
"Gerimos todas as comorbilidades em torno da IC"
O médico considera mesmo que “a única forma de ter os doentes e os cuidadores motivados é através da educação para a saúde” e adianta que, “muitos deles, apesar de mudarem de área de residência, continuam a vir aqui, o que motiva a equipa a fazer tanta consulta”.
Na realidade, só em Vila Real, onde o Hospital de Dia possui seis cadeirões e uma maca, são atendidos à volta de 60 doentes por semana, por apenas cinco médicos. Adicionalmente, existem ainda equipas próprias nos polos de Chaves e de Lamego da ULSTMAD, sendo o volume de profissionais e de doentes menor, comparativamente com Vila Real.
Ainda assim, José Ribeiro Eira enaltece que “o mais importante é estarmos disponíveis nos três hospitais para ouvir o doente e vê-lo no padrão habitual de consultas – que é entre sete a 10 dias, numa primeira abordagem, e, posteriormente, um, três, seis e 12 meses após situação de internamento”.
Apesar de esse corresponder ao modelo básico de atendimento, geralmente, o facto de se tratar de “uma população idosa e com pluripatologia obriga a que sejam realizadas mais consultas”. Como explica, “a IC é uma doença sistémica, reflexo do mau funcionamento do órgão, por isso, gerimos todas as comorbilidades em torno da IC e há também um trabalho de proximidade junto de outras especialidades”.
"A maior proximidade dos doentes é o segredo para o controlo da doença”
O médico realça ainda o “importante envolvimento dos serviços de Imagiologia e de Patologia Clínica, que facilita o acesso dos doentes aos meios de diagnóstico e permite o seu encaminhamento para o domicílio ou para o internamento”.
Havendo disponibilidade temporal, quinzenalmente, é realizada uma reunião por videoconferência, que junta os colegas de Vila Real, de Lamego e de Chaves em torno da discussão de temas e de casos clínicos. Por vezes, os doentes de Lamego e de Vila Real acabam por ser partilhados, dada a distância temporal de apenas 20 minutos que separa as duas cidades e a menor capacidade instalada de Lamego.
Apesar de ter sido constituída em setembro de 2019, só a partir de 2022 é que esta Unidade retomou o funcionamento em pleno. Com o surgimento da pandemia de covid-19, no natal de 2019, a atividade presencial foi suspensa, tendo sido retomada e interrompida, várias vezes, ao longo dos dois anos seguintes.
A juntar à “maior proximidade dos doentes, que é o segredo para o controlo da doença”, o médico realça “a sorte de, nos últimos cinco anos, terem surgido muitas armas que realmente modificam o prognóstico da IC, o que é muito positivo”.
A reportagem completa, com entrevistas a vários profissionais da Unidade de Insuficiência Cardíaca da ULS de Trás-os-Montes e Alto Douro, pode ser lida edição de junho do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Integrados.