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Saúde Mental: voluntariado de médicas internas num país sem psiquiatras «faz a diferença»

Um país sem especialistas em Psiquiatria, sem fármacos de confiança e com doentes que recorrem a feiticeiros e curandeiros foi o que Margarida Albuquerque encontrou na Guiné-Bissau.

A coordenadora do “Saúde a Sorrir – Saúde Mental” da Mundo a Sorrir iniciou um projeto voluntário de formação teórico-prática com alunos guineenses, em 2018. “As pessoas com doença mental são estigmatizadas e ficam fechadas e escondidas em casa”, realça, em declarações à Just News.


Margarida Albuquerque com um grupo de formandos

A Mundo a Sorrir é uma organização não-governamental para o desenvolvimento (ONGD) conhecida, sobretudo, pelos projetos na área da Saúde Oral, mas, em 2018, formalizou uma parceria de cooperação com o Instituto Unipiaget da Guiné-Bissau no âmbito da Saúde Mental.

“Após ter contacto com um colega guineense num curso em Portugal, sugeri que, de forma voluntária, pudéssemos ir ao país para promover a formação dos estudantes universitários de Medicina", explica a  médica interna de 4.º ano de Psiquiatria no Hospital de Cascais.



Volvidas três missões no terreno, "já beneficiaram com esta iniciativa 63 alunos, além de se ter melhorado os cuidados de saúde mental daquele país”.

Centro de Saúde Mental com especialistas sem formação em Psiquiatria

A responsável recorda que não existem psiquiatras no país desde 1998, quando ocorreu o golpe de estado e a guerra civil, e que apenas, em 2016, foi possível criar, com muito esforço e com os escassos meios disponíveis, o Centro de Saúde Mental de Bissau.

“É uma unidade que está de portas abertas para receber quem precisa de ajuda", refere Margarida Albuquerque, esclarecendo que o projeto conta com o apoio de médicos generalistas, "que nunca fizeram formação em Psiquiatria.”



"Doentes procuravam feiticeiros e curandeiros"

As patologias mais comuns são o alcoolismo e os surtos psicóticos decorrentes, sobretudo, do consumo excessivo de cannabis, além de problemas associados à gravidez e pós-parto. “Os doentes chegam numa fase já muito avançada. Até lá, estavam escondidos em casa, procuravam feiticeiros e curandeiros e não tinham acesso a tratamento.”


Margarida Albuquerque com Mario N`Tkic, coordenador local da Mundo a Sorrir, e a então Ministra da Saúde, Maria Inácia Sinhá (maio de 2018).

Nesta formação, Margarida Albuquerque e outros voluntários depararam-se com a escassez de especialistas, mas também de várias condições essenciais para a recuperação:


“Não é possível confiar nos medicamentos que são vendidos na maioria das farmácias, porque não existe uma instituição que os monitorize, podendo assim a bioequivalência não ser respeitada, além de que existem apenas os mais antigos, com efeitos adversos mais impactantes, e de a sua aquisição estar dependente do poder económico das famílias.”

Outro senão é não haver internamento. “As pessoas são atendidas, medicadas e voltam para casa, estando em causa a adesão à terapêutica. Infelizmente, não existe uma Lei da Saúde Mental e os que são apanhados pela polícia a cometer algum ato menos lícito por falta de tratamento podem inclusive ser castigados.”


Margarida Mota com formandos. Atualmente, já é médica especialista. Na altura (2019) era interna de Psiquiatria do 5º ano do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa

Além de Margarida Albuquerque, outras duas médicas internas de Psiquiatria estiveram já na Guiné Bissau, no âmbito deste projeto de promoção da Saúde Mental: Margarida Mota e Daniela Vilaverde.

Este ano, e devido à pandemia por covid-19, o projeto tem estado suspenso, mas o objetivo é muito claro: "Retomar a formação assim que estejam garantidas as condições de segurança."



Daniela Vilaverde (então médica interna de Psiquiatria do 3º ano do Hospital de Braga) com participantes de uma das ações de formação

“Precisamos de mais voluntários"

Apesar do muito trabalho que é preciso desenvolver, a intervenção da Mundo a Sorrir tem tido impacto. “Fazemos, sem dúvida, a diferença.” Todavia, alerta:

“Precisamos de mais voluntários, principalmente quem possa ficar mais tempo na Guiné-Bissau para se conseguir otimizar a formação e garantir de alguma forma o acompanhamento dos doentes. Quem se quiser voluntariar, basta ir ao site da Mundo a Sorrir. São todos muito bem-vindos!”

Em Portugal, a ONGD também já tem facultado apoio em Psicologia nas clínicas sociais. Da parte da Psiquiatria ainda não, “mas é algo a pensar no futuro”. “Neste momento temos que consolidar este projeto na Guiné-Bissau”, diz.


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