Novas guidelines da Sociedade Europeia de Hipertensão reforçam a necessidade de agir cedo
Rosa de Pinho, especialista em MGF, coordenadora da USF Vale do Vouga (ULS de Entre Douro e Vouga) e presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, foi um dos três médicos portugueses que integraram a task force responsável pelas guidelines para a gestão da HTA divulgadas pela Sociedade Europeia de Hipertensão (ESH) em 2023.
Ao intervir numa sessão das VI Jornadas Multidisciplinares de Medicina Geral e Familiar, no final de março, resumiu alguns dos principais pontos do documento, a começar pela desmultiplicação dos valores de referência para diagnóstico, de acordo com o contexto de medição da PA:
“Nestas guidelines, o diagnóstico continua a ser baseado nos valores de consultório, sendo que aí o cut-off está nos 140/90 mmHg. Mas devemos ter em consideração que se a avaliação da PA for feita pelo próprio doente, em casa, este cut-off é mais baixo. Deste modo, se for ≥ 135/85 mmHg já é possível aferir diagnóstico de HTA. Quando a avaliação é feita através de MAPA, os valores para diagnóstico são ainda mais baixos (≥ 130/80 mmHg), porque dependem da ponderação da PA diurna e noturna."
Fez ainda questão de acrescentar que, "para uma consciencialização absoluta de profissionais e doentes, seria bom que daqui em diante falássemos apenas do referencial 130/80 mmHg, uma vez que é este que melhor se encaixa nas múltiplas dimensões.”
Rosa de Pinho: "É fundamental empoderar e envolver o doente nas decisões”
Em paralelo, Rosa de Pinho recordou que um terço dos doentes medicados para controlo da PA suspende a toma após seis meses e metade após um ano, o que significa que os problemas da adesão e da persistência terapêutica figuram entre os principais obstáculos a uma boa gestão da HTA. A isto junta-se a inércia médica, em termos de diagnóstico e terapêutica, sendo de especial relevo o facto de muitos doentes, embora medicados, se encontrarem mal controlados.
Dados de um estudo da Rede Médicos Sentinela, datado de 2017, provam, inclusive, que, apesar de uma grande percentagem de doentes portugueses diagnosticados ter iniciado tratamento com fármacos (95,5%), cerca de 70% encontravam-se em regime de monoterapia, uma solução cuja eficácia é contrariada por toda a evidência atual.
Para inverter este quadro de aliança negativa entre abandono e inércia, é fundamental, segundo Rosa de Pinho, “empoderar e envolver o doente nas decisões” e apostar em “fármacos de longa duração de ação, de custo reduzido e em combinação fixa”.
ESH é perentória: a grande maioria dos doentes diagnosticados deve iniciar a terapêutica combinada em comprimido único
Jorge Polónia, especialista em Medicina Interna do Hospital Pedro Hispano (ULS de Matosinhos) e professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), foi outro dos clínicos portugueses que participou na task force das guidelines ESH 2023.
Na sua ótica, estas novas orientações trazem consigo clarificações de fundo, sobretudo no que respeita às estratégias terapêuticas ideais para os dois grandes grupos de doentes: pessoas com HTA de grau 1 ou 2 e sem lesão de órgão alvo e, por outro lado, pessoas com lesão de órgão alvo, qualquer que seja o estádio da HTA. “Seja qual for o caso, o diagnóstico deve estar bem estabelecido e as intervenções em estilos de vida são sempre bem-vindas”, esclareceu.
Jorge Polónia: “Quando o doente, apesar de ter risco baixo e não revelar lesão de órgão alvo, apresenta valores de PA acima de 150/95 mmHg deve iniciar logo terapêutica"
O internista recordou que as guidelines apontam a inevitabilidade de se optar por um único caminho, quando o doente tem um diagnóstico consolidado de HTA e valores tensionais que fazem soar sinais de alarme:
“Quando o doente, apesar de ter risco baixo e não revelar lesão de órgão alvo, apresenta valores de PA acima de 150/95 mmHg deve iniciar logo terapêutica, se possível com dois fármacos em comprimido único, medida recomendada para a grande maioria dos doentes pelas guidelines da ESH."
Já no caso dos que apresentam valores mais reduzidos de PA, "mas estão sintomáticos, com lesão de órgão alvo – por exemplo, indivíduos com insuficiência renal de estádio 3 ou superior, ou doentes com eventos cardiovasculares prévios --, é recomendado que também iniciem de imediato tratamento com pelos dois fármacos, se possível combinados num comprimido único, por razões de adesão”.