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«Mudar a cultura de um Serviço de Cirurgia» - Lição de Jubilação de Júlio Leite

“Hoje ainda continua a ser polémico se a Cirurgia Geral deve continuar a ser a especialidade sem diferenciação, devendo os cirurgiões efetuar todo o tipo de cirurgia, ou se é preferível que exista especialização cirúrgica dentro da especialidade.” A afirmação é do cirurgião Júlio Leite, que dará a sua última lição a 6 de julho, que versará precisamente sobre este assunto.

“Mudar a cultura de um Serviço de Cirurgia – Uma missão impossível?” é o tema da Lição de Jubilação do professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), que terá lugar no Centro de Congressos do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).



Em declarações à Just News, o cirurgião e diretor do Serviço de Cirurgia Geral dos Hospitais da Universidade de Coimbra adianta um pouco do que vai abordar na sua Lição de Jubilação, começando por referir que a organização de um Serviço pode depender do tipo de hospital.

Assim, num hospital de pequena dimensão, "é natural que predomine o modelo da Cirurgia Geral. O cirurgião geral gosta de efetuar todo o tipo de cirurgia e não reconhece que, por vezes, os resultados não são os desejáveis, particularmente nas intervenções complexas e efetuadas esporadicamente.”

O médico recorda que há várias intervenções complexas, "que exigem uma curva de aprendizagem longa até que exista uma estandardização do procedimento que conduzirá a melhores resultados" e desenvolve a ideia:

“No modelo clássico, de uma forma geral, os cirurgiões realizam as intervenções em doentes que lhe são propostos através do relacionamento pessoal com outros colegas e os internos de Cirurgia trabalham predominantemente com o seu orientador em cirurgia eletiva e mesmo na urgência. É uma medicina individualizada, ignorando frequentemente a necessidade das reuniões multidisciplinares.”


Júlio Leite durante uma intervenção do Curso Internacional de Cirurgia Hepatobiliopancreática e Colo-Retal, realizado em abril, onde foram discutidos "os problemas mais complexos” nestas áreas da cirurgia

Com base no que tem testemunhado, os cirurgiões e os internos que estão habituados a este modelo clássico "discordam geralmente da mudança para a setorização/especialização da Cirurgia Geral, especialmente os que recebem mais doentes dos seus colegas por motivos variados".

No entanto, considera que esta mudança "já ocorreu há dezenas de anos nos Centros mais avançados, tendo sido com esta filosofia que foram criados os Centros de Referência" que, como lembra, são uma organização com grupos de cirurgiões dedicados a áreas especializadas, associados a equipas multidisciplinares. Na sua opinião, este é “um modelo indispensável para que sejam acreditados esses serviços e naturalmente venham a demonstrar resultados comparáveis aos dos melhores centros internacionais”.

Caminhar no sentido da especialização


Na ótica de Júlio Leite, num grande hospital universitário é indispensável que o Serviço ou Departamento de Cirurgia Geral esteja organizado e orientado para a especialização cirúrgica. Nas suas palavras, o mesmo permite que “os doentes com patologias complexas sejam avaliados criteriosamente de forma multidisciplinar, que sejam operados por cirurgiões com experiência nessa área, através dos procedimentos mais avançados e que seja possível prever a obtenção de um bom resultado clínico imediato e à distância”.

Para o professor catedrático, não há qualquer dúvida de que os HUC sempre ocuparam uma “posição cimeira” no panorama cirúrgico português, salientando: “Entrei para o Serviço do Prof. Bártholo Pereira, que esteve na génese da cirurgia cardiotorácica, esofágica, pancreática e colorretal."

E acrescenta: "Foram-se progressivamente desenvolvendo as diversas especialidades cirúrgicas e sabe-se que os HUC têm sido referência nacional em várias áreas, tais como a cirurgia cardiotorácica, com o Prof. Manuel Antunes, a cirurgia hepática, com o Prof. Castro Sousa, a cirurgia dos transplantes hepáticos e renais, com o Prof. Linhares, ou a cirurgia colorretal também com o meu contributo e do Prof. João Pimentel."

Fusão de serviços

O cirurgião assumiu a direção do Serviço de Cirurgia A em maio de 2017, com a jubilação de Castro Sousa, tendo reorganizado o Serviço em cinco unidades: Cirurgia Hepatobilio-Pancreática, Cirurgia Colorretal, Cirurgia Esofagogástrica e Obesidade, Cirurgia Endócrina e Cirurgia Geral.

Em outubro de 2017, com a jubilação de Fernando J. Oliveira, ficou encarregue também da direção do Serviço de Cirurgia B e promoveu a fusão dos dois serviços com o objetivo de orientar a Cirurgia Geral no sentido da sua especialização, num grande serviço com 126 camas, 32 especialistas, 18 Internos da Especialidade, 92 enfermeiros, 16 auxiliares e 11 secretários. 



Como no Serviço de Urgência os cirurgiões deverão tratar todos os doentes, não existe setorização nesta área. “Os doentes internados ficam nas enfermarias dos cirurgiões responsáveis e apenas irá para a Enfermaria da respetiva patologia se estiver em ainda em estudo”, diz, desenvolvendo que a Unidade de Cirurgia Geral recebe predominantemente os doentes diariamente operados em cirurgia adicional e os politraumatizados.

Segundo o professor catedrático da FMUC, uma das maiores dificuldades tem sido conseguir ter cirurgiões "e com distribuição equilibrada para as escalas da urgência, urgência interna e Unidade de Cuidados Intermédios".

O especialista reconhece que a nova filosofia "orientada para a especialização cirúrgica", que tem vindo a ser implementada no Serviço de Cirurgia, não é uma tarefa fácil, mas acredita que virá a ter resultados positivos e que só dessa forma organizativa será possível a “especialização e a inovação”.

O cirurgião académico



Júlio Leite nasceu em Guimarães, em 15 de agosto de 1948. Concluiu a licenciatura pela FMUC em 1973. Depois de terminar o Internato da Especialidade de Cirurgia Geral nos HUC, em 1983, fez dois estágios em Londres no St. Mark’s Hospital, a “catedral” da cirurgia colorretal, e no Hammersmith Hospital, com Blumgart, na cirurgia hepatobiliar.

Após bolsa de estudo do INIC para doutoramento, orientou os trabalhos de investigação experimental e clínica na área das bolsas ileoanais, intervenção que começou a ser realizada no St. Mark’s em 1980 para a colite ulcerosa e a polipose.

O gosto pela investigação, pelo ensino e pela cirurgia adequava-se às funções de um cirurgião académico num hospital universitário e esse foi um fator crucial pela opção em manter a sua atividade profissional em Coimbra.

A Lição de Jubilação de Júlio Leite terá lugar dia 6 de julho, pelas 12h00, no Grande Auditório do Centro de Congressos do CHUC. A entrada é livre.


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