Internamento de Psiquiatria do Hospital do Mar conta com «corpo clínico multidisciplinar permanente»
João Data Franco foi convidado há mais de um ano para assumir a coordenação do Internamento de Psiquiatria do Hospital do Mar, tendo aceitado de imediato. O desafio foi-lhe lançado por Maria João Heitor, consultora do Grupo Luz Saúde para a Saúde Mental e mentora deste projeto, que arrancou no final de fevereiro.
Vocacionado para a doença mental grave em situação aguda, o mesmo surge como uma resposta para os doentes que necessitam de ser hospitalizados.
“Na prática privada, com muita frequência, deparo-me com a necessidade de internar doentes, dada a dificuldade de tratamento em ambulatório. Muitas vezes, as opções eram endereçar uma carta ou telefonar ao colega do hospital público da área de residência do doente que estivesse de Urgência, o que gerava algum atrito no processo de admissão”, começa por referir o psiquiatra à Just News.
E acrescenta: “Há serviços constantemente lotados e doentes internados nas urgências, porque os hospitais do Serviço Nacional de Saúde não conseguem dar resposta a tantos pedidos. Acontece que, muitas vezes, o critério de internamento não é meramente clínico, mas também logístico, ao depender da existência de vaga, e esta unidade agora criada no Hospital do Mar vem procurar colmatar essa lacuna e responder às necessidades das pessoas que precisam de ser hospitalizadas.”
João Data Franco
Na realidade, prossegue João Data Franco, “havendo um critério médico de internamento e vaga disponível, o doente pode ser admitido”. Contudo, verificam-se ainda alguns constrangimentos de ordem financeira, por, “eventualmente, as pessoas não procurarem seguros com esta cobertura, ou pelo facto de as companhias seguradoras colocarem barreiras que não são sentidas por quem, por exemplo, é vítima de um enfarte”.
A perceção que o nosso interlocutor tem é que “se alguém tiver um problema ‘orgânico’, ainda que a doença mental envolva um órgão como outro qualquer, depara-se com menos obstáculos, sendo maior a probabilidade de ter um seguro que contemple o seu problema de saúde”. Tal deve-se ao facto de “haver ainda um estigma muito grande relativamente à patologia psiquiátrica, não só por parte das seguradoras como da própria sociedade em geral”.
A resposta a doentes com gravidade clínica e social
Maria João Heitor avança que, apesar de estarem a surgir outra unidades de internamento a nível privado, “a do Hospital do Mar foi a primeira a abrir com características de internamento de adultos para situações agudas com um corpo clínico multidisciplinar permanente e diário, incluindo médicos psiquiatras, enfermeiros especializados, técnicos auxiliares de saúde e outros profissionais, na região de Lisboa e Vale do Tejo e na zona sul do país”.
Considerando “a prevalência da doença mental, e especialmente da doença mental grave”, João Data Franco vê com bons olhos a decisão do setor privado em apostar nesta área: “Certamente que haverá procura, acabando por ser uma mais-valia existirem equipas vocacionadas para o tratamento em regime de internamento de casos graves em situação de descompensação, resposta que, em ambulatório, não está a ser efetiva.”
Neste leque de situações enquadram-se, a título de exemplo, casos de depressão, ansiedade grave, esquizofrenia e outras psicoses, perturbações da personalidade, obsessivo-compulsiva ou bipolar, síndrome de burnout grave e adições. Contudo, não rejeita que no Internamento do Hospital do Mar sejam também admitidos casos numa vertente mais social, para descanso dos cuidadores.
O médico distingue, por outro lado, que “uma deficiência intelectual ou outro tipo de patologia, ainda que estabilizada, carece de um grande apoio do cuidador informal, pelo que muitos doentes acabam por ficar na ressaca de um internamento agudo, enquanto casos sociais, por um conjunto de atritos”. De facto, “frequentemente, a alta acaba por ser atrasada por falta de resolução social, porque as famílias não estão habilitadas a cuidar do doente ou por não terem as condições habitacionais adequadas”.
Assim, “embora possam estar mais estabilizados clinicamente, os doentes com escasso suporte social e familiar têm frequentemente características complexas e necessitam de um serviço que responda às suas necessidades, pelo que o Hospital do Mar surge como uma instituição capaz de receber temporariamente estes doentes, enquanto não surgem vagas em instituições mais vocacionadas para internamentos de longa duração, para onde possam transitar”.
João Data Franco adianta terem já sido recebidos doentes graves semiestabilizados, vindos de outras instituições, para dar continuidade à sua convalescença no nosso hospital.
“Tratando a fase aguda, há ainda um conjunto de sintomas residuais que levam mais algum tempo a ser ultrapassados, e aqui temos condições que nos permitem ajudar”, sublinha.
Maria João Heitor, por sua vez, salienta o facto de o Internamento de Psiquiatria estar inserido numa estrutura hospitalar com múltiplas valências de apoio, como a Medicina Interna, a Medicina Geral e Familiar, a Neurologia ou a Medicina Física e de Reabilitação. Isto para além da capacidade de resposta a outros níveis: nutrição, psicologia, neuropsicologia, neuroestimulação, fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da fala, animação sociocultural e serviço social.
Maria João Heitor
Com uma estrutura de 14 camas, distribuídas por dois quartos individuais e seis duplos, com casas de banho privadas adaptadas, “oferecemos um maior conforto ao doente, mas essencialmente um serviço médico completo e de qualidade, com este tipo de dinâmica”, frisa João Data Franco.
Dado este Internamento de Psiquiatria apenas receber doentes que ali chegam de forma voluntária, é oferecida uma total abertura para poderem deixar esse espaço e circular pelas áreas comuns do edifício, a não ser que exista alguma contraindicação.
A parceria com os colegas para a referenciação de doentes
Ainda que, geralmente, os doentes sejam referenciados pelo seu psiquiatra assistente, seja do Grupo Luz Saúde ou externo, após a identificação da necessidade de acompanhamento em regime de internamento, outros casos são encaminhados a partir de um Serviço de Urgência ou de outro Internamento. Alguns doentes têm mesmo procurado esta resposta por iniciativa própria ou de familiares.
Em todo o caso, é feita uma avaliação inicial, sendo que, caso a pessoa não esteja a ser acompanhada, “essa avaliação psiquiátrica terá de ser mais estruturada e formal, de forma a verificar se reúne os critérios necessários e garantir que é oferecida a resposta de que necessita”.
O médico não exclui cenários, como a referenciação a partir do médico de família. Realça, sim, a necessidade de “haver uma avaliação rigorosa para internar apenas aqueles que tiram benefício, sendo que não há ninguém mais habilitado do que um psiquiatra para a realizar”. Como alerta, “na doença mental, como em qualquer outra, temos de ter o mesmo rigor e a mesma idoneidade para proceder ao internamento de alguém”.
A nacionalidade do doente também não é uma restrição, “desde que a equipa consiga falar a língua, uma vez que, na Psiquiatria, a comunicação é uma peça-chave”.
Enquanto alguns exames e análises podem ser feitos no próprio Hospital do Mar, outros meios complementares de diagnóstico e terapêutica exigem a deslocação do doente a outras unidades, geralmente do Grupo Luz Saúde, o que “é fácil, dada a articulação estreita que existe”.
Olhando para o futuro, a ambição é reforçar a equipa médica, com a entrada, já a curto prazo, de mais dois psiquiatras, para “dar uma cobertura mais uniforme e facilitar admissões”, e também captar mais doentes.
“O objetivo é que esta Unidade de Internamento seja útil e haja uma boa dinâmica e rotatividade. Esperamos conseguir fazê-la crescer, porque há procura”, distingue João Data Franco. Para tal, considera essencial “dar a conhecer o projeto aos colegas, pelo menos da Área Metropolitana de Lisboa, e ter casos de sucesso”.
Assim que o doente recebe alta deve voltar ao seguimento pelo seu médico assistente, esclarecendo o psiquiatra que “não faria sentido algum absorvê-lo, a não ser que não tenha acompanhamento de ambulatório estruturado, devendo, nesse caso, ser encaminhado para o especialista mais indicado, dentro ou fora do Grupo Luz Saúde”.
Caso contrário, “a ideia não é desviar os doentes, pois, tal geraria desconfiança, mas devolvê-los ao seu médico, até porque essa é a única forma de estes entrarem numa boa parceria connosco”.
Neste processo, “há um envolvimento da equipa de saúde hospitalar, do doente, dos seus cuidadores ou familiares e do seu médico assistente, para identificar as necessidades de apoio em casa e de cuidados de saúde em ambulatório e, desta forma, reduzir a necessidade de readmissão e alcançar o maior sucesso na reintegração sociofamiliar e comunitária”.
"É uma mais-valia indiscutível para todo o ecossistema clínico do HLL"
Para Isabel Vaz, presidente do CA do Hospital da Luz Lisboa e CEO da Luz Saúde, não há dúvidas de que esta valência “é, seguramente, um contributo para aumentar e melhorar o leque de respostas na área metropolitana de Lisboa e na zona Sul, tendo contado com o apoio das várias seguradoras e subsistemas de saúde em termos da cobertura do financiamento aos seus beneficiários”.
E como surgiu a ideia de avançar com esta valência? "Dada a elevada prevalência das perturbações psiquiátricas, assim como a escassez de respostas estruturadas e coordenadas no setor privado, em particular ao nível do internamento, foi decidido avançar com o Internamento Psiquiátrico no Hospital do Mar", afirma a responsável.
Isabel Vaz
Admitindo tratar-se de “uma mais-valia indiscutível para todo o ecossistema clínico do HLL e para os seus profissionais”, destaca “o entusiasmo e a competência de uma equipa clínica multidisciplinar, experiente e fortemente comprometida com este novo projeto do Grupo Luz Saúde".
E acrescenta: "Passamos, assim, a poder garantir aos nossos clientes uma resposta integral também na área da Psiquiatria e Saúde Mental, desde os cuidados ambulatórios ao Serviço de Urgência e ao Internamento especializado."