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Geriatria, Dor e Cuidados Paliativos: USF Barão do Corvo investe na formação de toda a equipa

Geriatria, Dor e Cuidados Paliativos são palavras bem familiares na USF Barão do Corvo, em Vila Nova de Gaia, ou não tivesse esta unidade na equipa Hugo Ribeiro, médico de família e coordenador da Iniciativa Médica 3M (IM3M), que organiza cursos nestas áreas.

“Tratamos os doentes, não as doenças”, diz Hugo Ribeiro, de 32 anos, que acumula o papel de MF com o de médico paliativista na Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP) de Gaia. O “bichinho” por estas áreas de atuação surgiu ainda na faculdade, muito sob inspiração dos avós, e facilmente moldou o seu percurso, que também é seguido por outros colegas.

“Esta USF conta com muitos profissionais, entre médicos e enfermeiros, com formação pós-graduada nestas valências. É uma enorme mais-valia para a população”, garante.



Considerando a USF Barão do Corvo “a minha casa”, Hugo Ribeiro ainda pensou, juntamente com a restante equipa, criar uma consulta organizada em Geriatria, mas rapidamente percebeu que essa não seria a melhor estratégia.

“Isso iria induzir a população, com 65 ou mais anos, a deixar o seu médico de família. Não é isso que se pretende. O ideal é que, independentemente de haver quem possa ter mais competências em cuidados geriátricos, todos os elementos da equipa têm conhecimentos que lhes permitem dar a resposta mais adequada às particularidades dos mais velhos”, considera Hugo Ribeiro.

O mesmo se passa em relação à Dor e aos Cuidados Paliativos. “Todos os médicos e enfermeiros têm de ter noções sobre o que devem fazer, quanto mais não seja para estarem alerta para determinada sintomatologia e falarem com o colega que esteja mais nessa área.” Por outras palavras, fomenta-se o espírito de equipa:

“Aprendemos uns com os outros, discutindo os casos clínicos, o que é também importante num modelo de organização que prevê a intersubstituição.”

Como reforça: “Noutras valências, como Psiquiatria ou Endocrinologia, também se tem apostado na consultadoria de colegas que trabalham no hospital e tem sido uma grande vantagem para todos, quer doentes como nós, profissionais, que vamos adquirindo conhecimentos e experiência. O mesmo deve acontecer com a Geriatria, a Dor e os Cuidados Paliativos, mas com a facilidade da proximidade que temos uns com os outros no nosso dia-a-dia.”

Para facilitar, a equipa tem estado  a elaborar um conjunto de protocolos nestas três áreas, “a fim de se criarem dinâmicas que permitam dar uma resposta uniforme a diversas situações clínicas, tais como dor crónica, dor aguda, cefaleias e desprescrição, entre outras”.




Farmacologia: polimedicação (des)necessária em MGF

Uma das medidas que mais suscita dúvidas na Medicina Geral e Familiar, quando se lida com idosos, é, de facto, a desprescrição, de que tanto se tem falado nos últimos tempos. Para Hugo Ribeiro, é “essencial que cada médico saiba avaliar a medicação, tendo em conta as características individuais, mas também as particularidades da idade avançada”.

“Hoje em dia, temos muitos casos de polimedicação nos idosos e é fundamental perceber até que ponto são necessários determinados fármacos e se as doses e posologias são as mais adequadas”, indica.

Continuando: “O médico deve identificar claramente os casos de polimedicação desnecessários, mas também os que se justificam. Um idoso pode tomar, por dia, 15 medicamentos e isso fazer todo o sentido; outro pode necessitar de um reajuste nas doses ou até de desprescrição.”


Hugo Ribeiro

Para o especialista, a Farmacologia, à qual se dedica desde sempre, é, de facto, uma preocupação. “Ao envelhecermos, o nosso corpo, naturalmente, deixa de absorver os fármacos da mesma forma. Por exemplo, aos 70 anos, a nossa função renal diminui em 50%, em comparação com a que se tinha aos 40 anos e independentemente de se ter alguma patologia. Nestes casos, é preciso reajustar as doses dos medicamentos excretados pela urina. O nosso metabolismo sofre alterações, assim como a distribuição dos fármacos, e temos que estar alerta para esta realidade.”


"Ainda se desvalorizam as queixas de dor"

No caso da Dor, é preciso formação dos profissionais, desmistificando, sobretudo, o conceito de SOS: “Existe um perfil biopsicossocial da dor que merece toda a atenção. E deve-se abolir o conceito de medicação em SOS, uma terminologia que leva à reduzida compliance dos doentes, ou, por outro lado, à utilização abusiva, não se controlando assim um sintoma tão importante, assim como os seus fatores desencadeantes.”



Outro aspeto é a valorização das queixas: “Ainda se tende a considerá-las pouco relevantes, achando-se que a pessoa pode estar a exagerar. Mas o que se deve fazer é alertar o doente de que, face a uma dor muito intensa, temos que recorrer a uma medicação mais forte, adequada ao autorrelato. Se, mesmo assim, se mantém a queixa, então não está a mentir ou a exagerar.”

Cuidados paliativos: a mais valia de "conhecermos o utente e a sua família"

Outro momento-chave em que os conhecimentos em Farmacologia são essenciais é nos Cuidados Paliativos. Hugo Ribeiro integra a ECSCP de Gaia e sabe bem que assim é. “O médico de família também deve estar presente na fase final da vida, tendo um papel central, nomeadamente, na prevenção do luto patológico.” 


Contudo, como afirma, “as falhas na formação em cuidados paliativos em Portugal não são apenas inerentes à MGF, mas o facto de conhecermos o utente e a sua família nos diferentes ciclos de vida dá-nos uma noção mais exata do contexto daquela pessoa e das suas necessidades, o que torna ainda mais imperativa a organização de ações nesta área.”

"Tem sido fundamental na resposta que damos a uma população cada vez mais envelhecida"


No gabinete em frente a Hugo Ribeiro está Andrea Lobão, que assumiu a coordenação da USF apenas uma semana antes desta reportagem, a 8 de setembro.

Está a ambientar-se às novas tarefas e responsabilidades de uma equipa, composta por 8 médicos, 8 enfermeiros e 5 secretários clínicos – além dos internos –, que viu a sua USF obter parecer positivo para modelo B em dezembro de 2019. Mas numa coisa tem a certeza quando pensa no futuro da unidade: “Vamos com certeza manter esta aposta na formação em Geriatria, Dor e Cuidados Paliativos.”


Andrea Lobão

Médica de família há 11 anos, está na USF Barão do Corvo desde julho de 2019 e, para si, não é novidade alguma o “entusiasmo” de todos por estas áreas de saber.

“Tudo começou com os mais novos e tem sido fundamental na resposta que damos a uma população cada vez mais envelhecida. Além disso, a dor é um sintoma que é falado muitas vezes na consulta em qualquer idade, mas sobretudo entre os mais velhos”, observa.

Apesar de se destacar, o 5.º sinal vital ainda exige que os profissionais de saúde questionem o doente: “Principalmente os mais idosos tendem a ter alguma vergonha, por considerarem fazer parte da idade e que só têm é que aguentar. Mas isso não é verdade: há armas terapêuticas que podemos utilizar para que se possa ter melhor qualidade de vida.”

Como acrescenta: “Quando fiz o curso não se valorizava a algesia. Hoje em dia, já começamos a ver mais iniciativas pós-graduadas e acredito que este empenho dos mais novos acabe por trazer frutos, não só capacitando os profissionais, mas  também sensibilizando a população para o facto de que não têm que viver com dor.”


Para o efeito, a equipa da USF elaborou protocolos de atuação em Geriatria, Dor e Cuidados Paliativos, esperando publicá-los após esta fase mais crítica da pandemia, como forma de “ajudar os colegas de outras unidades”.

"Os mais idosos estão a sentir-se muito isolados”

Relativamente à pandemia de covid-19, considera que o que tem sido mais difícil, em termos de adaptação, é a tão falada teleconsulta:

“Não se trata apenas de não se estar habituado a trabalhar desta forma. Mesmo que haja situações que se resolvam por esta via – e isso já era uma realidade –, é muito importante a linguagem não-verbal. Apenas a maneira como a pessoa entra pela porta ou a forma como se senta já nos dá uma ideia do que se passa...”



Andrea Lobão considera, assim, que “não podemos manter durante muito mais tempo esta situação. É preciso encontrar circuitos que permitam manter o contacto presencial com as pessoas, porque também não podemos esquecer a componente psicológica. Os mais idosos estão a sentir-se muito isolados”.

Obstáculos à parte, e apesar de estes serem os primeiros dias à frente da USF, não tem dúvidas de que o futuro vai ser risonho, nomeadamente na resposta que podem dar em Geriatria, Dor e Cuidados Paliativos:

“É um orgulho para todos podermos ter profissionais, quer médicos como enfermeiros, formados nesta área, para que a população possa ter acesso a cuidados diferenciados e de qualidade em qualquer fase da sua vida.”


A reportagem completa pode ser lida na edição de outubro do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários.

Jornal distribuído em todas as unidades de cuidados primários do SNS. 
Porque as boas práticas merecem uma ampla partilha entre profissionais!

 

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