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Covid-19: a separação imediata de circuitos no ACES Porto Oriental «foi fator decisivo»

A diretora executiva do Agrupamento de Centros de Saúde Porto Oriental fala em “experiência inimaginável” e em “prova de fogo” para qualquer sistema de saúde e todos os profissionais do setor quando é questionada sobre qual o papel dos cuidados de saúde primários nesta pandemia de covid-19.

De um lado está o “compromisso social com o bem-estar da população” e do outro a necessidade de “fazer bem, rápido, com muito pouco e na expectativa de uma forte incerteza diária”.

“O mais difícil de gerir tem sido mesmo a incerteza”, admite. “A incerteza dos processos, a incerteza dos resultados, a incerteza das estratégias, a incerteza dos profissionais, a incerteza dos modelos de governação...”, diz.

E refere, por exemplo, as dúvidas que tinham surgido na manhã do dia em que se realizou esta entrevista sobre se o modelo de organização do ADC (área dedicada ao atendimento de casos suspeitos de covid-19) do seu ACES seria mesmo “o que mais protege os profissionais e que melhor serve os utentes”.


Dulce Pinto

“A única coisa que nós podemos concluir é que, embora talvez possa não ser o melhor modelo, é seguramente o que nós, naquele momento e com a informação que tínhamos, pudemos implementar e desenvolver”, afirma Dulce Pinto. Na sua opinião, “a própria cidade do Porto, de uma forma geral, reagiu precocemente, preparou-se muito bem”.

"Lidar com o nosso medo e depois com o medo de todos”

Recuar ao fim de semana de 14 e 15 de março é lembrar “a emergência de não saber com o que estamos a lidar e de ignorar qual a melhor forma de agir”. Constatar que “o desafio maior foi, antes de mais, lidar com o nosso medo e depois com o medo de todos”. Fazer essa “gestão afetiva” a todos os níveis, “da auxiliar ao médico chefe de equipa, de todos nós, das nossas famílias, das famílias deles”. E depois “lidar com o medo dos utentes, da população, com as escolhas permanentes”!

O ACES Porto Oriental terá sido, provavelmente, o primeiro no país a suspender a atividade programada. Pelo menos Dulce Pinto está convicta disso e não esquecerá facilmente a pressão das circunstâncias:

“Era domingo, lembro-me bem. Eram quatro da tarde quando solicitámos à ARS Norte que enviasse uma mensagem a informar os nossos utentes. Tínhamos que suspender toda a atividade programada que estivesse em condições de o ser.”

Consciente da grande densidade de pessoas que as várias unidades do seu ACES registam diariamente, Dulce Pinto teve “a perceção clara de que não podíamos continuar a fazer tudo”, de que “isso seria um risco incontornável”, que era preciso “estabelecer prioridades e fazer escolhas”, e ainda “concentrar todos os recursos e todas as vontades na contenção da pandemia”.

E bem sabia que o Porto Oriental, que abrange 120 mil pessoas, tem uma das freguesias do país com maior densidade populacional, o Bonfim, “terreno fértil para fazer florescer cadeias epidemiológicas”.




Separar circuitos: "uma estratégia imediatamente posta em prática"

A necessidade de reconfigurar as unidades era premente: “O nosso principal objetivo foi, dentro de cada um desses sete edifícios, identificar muito claramente os circuitos sujos, infetados, e os circuitos limpos, de forma a proteger utentes e profissionais. Recordo-me de que logo na segunda-feira de manhã (16 de março) fui pessoalmente a cada uma das unidades funcionais e promovi em cada uma delas uma reunião com os profissionais. A estratégia de separar circuitos foi imediatamente posta em prática.”

Dulce Pinto está convencida de que o que se fez na altura e a rapidez com que se atuou foram "fatores decisivos" para que, num universo de 500 profissionais – de médicos a enfermeiros, de auxiliares a prestadores de serviços externos –, se tenham registado apenas (até à data desta entrevista) três casos de infeção com covid-19, afetando uma secretária clínica, um enfermeiro e uma médica interna. De registar que apenas um deles se infetou no âmbito da sua atividade profissional.

Na tal tarde de domingo, 15 de março, o desenho do “modelo de sobrevivência, com prontidão de resposta e de adaptação extremamente rápida”, envolveu também a participação das coordenadoras de pelo menos três unidades funcionais, que se deslocaram à sede do ACES, na Rua do Vale Formoso.

“Com a sua perceção e sensibilidade e das suas equipas foi muito mais fácil ajustar imediatamente o modelo de intervenção a fazer. Sempre sob a orientação da Unidade de Saúde Pública, em sintonia perfeita com a autoridade de saúde, Dr.ª Eduarda Ferreira o seu extraordinário saber e a sua fabulosa equipa”, salienta a nossa entrevistada.

“Em meia hora, apresentaram-se 30 enfermeiros”

Quando foi necessário identificar voluntários para aprenderem a técnica da colheita por zaragatoa para efetuar o teste ao novo coronavírus, “em meia hora, apresentaram-se 30 enfermeiros”, refere Dulce Pinto, que também sublinha a resposta imediata do CH Universitário de São João – com quem o ACES tem “uma articulação muito forte” -- para fazer a formação daqueles profissionais.

“Com a garantia da Câmara do Porto de que haveria alojamento alternativo se quiséssemos fazer o confinamento de positivos e negativos, no sábado 28 de março tínhamos pronta toda a logística relacionada com as colheitas, os equipamentos de proteção, o transporte das amostras para o hospital, o processamento dos resultados e o que faríamos se houvesse  casos positivos", esclarece a diretora executiva do ACES Porto Oriental.

No dia seguinte, domingo, 29 de março, "estávamos a avançar para testar todos os residentes e profissionais dos lares da nossa área de influência e uma semana depois tínhamos cerca de 1000 testes realizados".

Entretanto, procurando reduzir ao mínimo o número de profissionais presentes fisicamente nas várias unidades do Agrupamento, mais de uma centena – pelo menos 20% – está em regime de teletrabalho. Nutrição, Medicina Física e de Reabilitação, Medicina Dentária e Serviço Social são exemplos de áreas cujos elementos se encontram em casa.

Também alguns profissionais com idade superior a 60 anos estão agora no seu domicílio, assegurando, nomeadamente, o acompanhamento clínico dos doentes com covid-19, através da telemedicina.


Dulce Pinto com outros elementos do ACES Porto Oriental: o presidente do Conselho Clínico e de Saúde, Miguel Azevedo, e a presidente da Direção de Enfermagem, Cândida Maciel 

“Há aqui algo fundamental, que é esta formatação para o outro, para a comunidade"

Dulce Pinto lembra-se perfeitamente de que assumiu as funções de diretora executiva do ACES Porto Oriental no dia 17 de julho de 2012, “sem conhecer ninguém… nem o próprio ACES!”. Entretanto, “apaixonei-me completamente por isto!”.

“Gosto muito do que faço e tenho uma equipa espetacular. Gente que realmente me estimula todos os dias", assegura afirma Dulce Pinto, fazendo questão de valorizar um vasto conjunto de intervenientes:

"Não me refiro apenas às pessoas do grupo mais nuclear aqui do ACES. Falo também dos parceiros da comunidade, dos autarcas, das instituições, das IPSS, de todas as pessoas com quem estabeleço protocolos e parcerias, neste trabalho que, no fundo, vai beber muito à minha raiz de enfermeira. Eu acho que há aqui algo fundamental, que é esta formatação para o outro, para a comunidade."



A cumprir o terceiro mandato de três anos à frente do ACES Porto Oriental, Dulce Pinto diz – com toda a naturalidade – que os elementos da sua equipa continuam a ser os mesmos que já trabalhavam com o seu antecessor, excetuando o presidente do Conselho Clínico e de Saúde… porque se aposentou, substituído pelo médico de família Miguel Azevedo.

“Não sou muito apologista dessa coisa de mudar tudo! Nós não temos informação que nos permita fazer essa mudança, não é? Acho que o mais interessante é manter as pessoas e conquistá-las para um modelo diferente de governação. Torna-se mais desafiante”, justifica.

“Tive que sair de casa”

À semelhança de tantos outros milhares de profissionais de saúde, e não só, também Dulce Pinto sentiu ser "obrigatório" alterar drasticamente a sua rotina diária e sair de casa.

Assim, desde o início de março que a diretora do ACES Porto Oriental deixou Esposende e vive em casa da filha, no Porto, deixando a sua mãe, com 86 anos, ao cuidado do filho. É fácil perceber porquê:

“Tive que sair de casa. Não expunha a minha mãe à covid-19, exatamente porque ela tem a idade que tem e é frágil. Ainda por cima, foi submetida a uma intervenção cirúrgica há muito pouco tempo. O meu filho, que ainda está comigo, ficou a tomar conta da avó e eu saí.”

E acrescenta: “Essencialmente, era a minha mãe que me preocupava. Para além da sua idade, é doente cardíaca e se apanha este novo coronavírus... Como a minha filha (enfermeira como a mãe, “uma intensivista nata”) também está exposta, juntámo-nos as duas”.

Unidades de Saúde do ACES Grande Porto VI – Porto Oriental:
• Atendimento Prolongado Porto Oriental
• UCC Campanhã
• UCC Paranhos
• UCSP Azevedo Campanhã
• UCSP S. Roque Lameira
• URAP Porto Oriental
• USF Arca d’Água
• USF Barão de Nova Sintra
• USF Covelo
• USF Faria Guimarães
• USF Lindo Vale
• USF Novo Sentido
• USF Porto Centro
• USF Santos Pousada
• USP Porto Oriental




A entrevista completa pode ser lida na edição de abril do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários.

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