«É urgente a criação de uma carreira de Medicina Dentária no SNS»

A necessidade de condições de trabalho dignas é já uma luta antiga dos médicos dentistas do SNS, mas que continua a merecer a maior das atenções.

Em entrevista à Just News, António Pereira da Costa, presidente da Comissão Organizadora do 6.º Encontro Nacional dos Médicos Dentistas dos Serviços Públicos, sublinha que “esta aposta que tem existido em equipamentos e infraestruturas tem de ser acompanhada por um investimento nos recursos humanos”.

Além do aumento do número de médicos dentistas nos CSP, principalmente, “não se pode ignorar a sua integração numa carreira própria, pois, a situação atual é muito complexa”. A título de exemplo, adianta:

“Durante o ano, só podemos estar 10 dias ausentes do Serviço, que são não remunerados, e quando fazemos formação somos penalizados, porque temos de repor o número de horas. Não recebemos subsídio de férias nem de Natal e também não temos direito a subsídio parental nem de desemprego.”

Tais condições levam a que “os profissionais se sintam esgotados e acabem por abandonar os serviços ao fim de algum tempo, resultando numa elevada rotatividade”.


António Pereira da Costa

O médico dentista adianta que haverá outros profissionais a trabalhar no SNS com carreiras distintas apesar de desempenharem as mesmas funções, mas acredita que “não há ninguém que esteja numa situação tão frágil e vulnerável quanto os médicos dentistas, que têm contratos de prestação de serviços de 12 meses”.

Enquanto algumas ARS estabelecem contratos diretamente com os médicos dentistas, como a ARS Norte, António Pereira da Costa lamenta que outras recorram a empresas que assumem a responsabilidade de fazer a subcontratação, “desperdiçando recursos monetários”.

O nosso interlocutor avança que, na ARS Norte, à imagem de todo o país, está estipulado que todos os utentes poderão aceder aos serviços de Saúde Oral, sem restrição de patologia, com exceção apenas dos que estão elegíveis para o cheque-dentista, para não haver uma duplicação de cuidados”.

No entanto, “fruto do reduzido número de médicos dentistas no SNS – cerca de 150 a nível nacional − para responder a um universo de possíveis utentes tão extenso (aqueles que são referenciados pelos colegas de MGF), o tempo de espera torna-se grande, o que não é ideal, pois, há situações mais urgentes que necessitariam de um cuidado mais rápido”.

No caso do ACES Grande Porto VIII - Espinho/Gaia, nota que, além de si, que trabalha no Centro de Saúde de Espinho, há apenas mais uma colega dentista a trabalhar na Unidade de Saúde da Madalena, em Vila Nova de Gaia. Juntos, procuram fazer uma distribuição dos utentes do ACES de acordo com os critérios de proximidade.


Ainda assim, avança que, diariamente, recebe utentes de uma faixa geográfica muito dispersa, desde Espinho,
passando pelos Carvalhos, até Vila Nova de Gaia. E nota que essa é “uma realidade transversal aos diversos serviços públicos, pelo país fora”.

De acordo com António Pereira da Costa, em meados do mês passado haveria, naquele ACES, uma lista de espera para consulta de cerca de três meses. Defendendo que seria importante “haver uma priorização dos casos mais urgentes”, refere que, mesmo enquanto tal não é definido, a proximidade da Saúde Oral às unidades de saúde onde se encontram os colegas referenciadores facilita que certos utentes sejam vistos mais rapidamente: “O contacto constante possibilita que para determinados casos se agilize uma resposta mais urgente.”

Simultaneamente, admite que essa contiguidade possa aumentar a sensibilização dos médicos de família para a questão da saúde oral: “Embora tal nem sempre seja feito a nível nacional, estes colegas têm o cuidado de fazer sempre a avaliação da cavidade oral, no processo de avaliação dos utentes, pois, essa também é uma parte integrante do corpo. Em caso de dúvida, esta proximidade facilita bastante o meu auxílio.”

Na sequência da identificação de um défice de saúde oral nos utentes com DPOC do ACES Espinho/Gaia, “está atualmente a ser preparado um protocolo que visa disponibilizar-lhes um acompanhamento mais regular”, adianta o nosso entrevistado.

O desafio de organizar um novo Encontro da APOMED-SP

António Pereira da Costa, que surge a presidir à CO do 6.º Encontro Nacional, é membro suplente da Direção da Associação Portuguesa dos Médicos Dentistas dos Serviços Públicos (APOMED-SP). O facto de trabalhar em Espinho contribuiu para que esse fosse o lugar eleito para receber o evento.

Após dois anos de suspensão do evento, a retoma aconteceu em 2022, sendo que as expectativas são elevadas relativamente à reunião de 2023. Note-se que apesar de a APOMED-SP ter sido criada apenas em 2018, “na sequência da apresentação do programa Saúde Oral para Todos, resultando na expansão da Saúde Oral no SNS, que, até então, tinha uma presença residual”, o Encontro já acontecia desde 2016, daí realizar-se agora a sua 6.ª edição.

O profissional explica que o mesmo se dirige primordialmente aos médicos dentistas dos Serviços Públicos, “seja o SNS, os Serviços Prisionais ou as Forças Armadas”. No âmbito do SNS, nota que a grande maioria dos médicos dentistas trabalha nos CSP, sendo muito poucos aqueles que exercem a nível hospitalar, integrados em equipas multidisciplinares”.

Nesse sentido, “e pelas especificidades da valência de Saúde Oral nos CSP, há uma tentativa de adequar o conteúdo científico do programa a essa realidade diária”.



Também “fruto da necessidade de debater o futuro da profissão”, manter-se-á a mesa-redonda “Políticas de Medicina Dentária para os Serviços Públicos”, que, ano após ano, se tem repetido. Haverá ainda espaço para discutir a questão “Estará a referenciação de Saúde Oral verdadeiramente focada no utente?” e debater “Saúde Oral: as evidências mais importantes para os CSP”, onde se procurará “fazer um refresh das últimas atualizações tecnológicas e científicas na área, em parceria com o Centro de Medicina Dentária Baseada na Evidência da FMDUL”.

Este 6.º Encontro ficará marcado por vários momentos inovadores. Pela primeira vez, será atribuído um Certificado de Melhor Póster para a melhor comunicação livre em forma de póster digital e os três melhores pósteres serão publicados no American Journal of Dentistry.

“Entendemos que esta forma nos ajudaria a começar a reunir alguma da evidência científica que é produzida nos CSP”, explica. De forma inédita, será ainda atribuído um prémio ao melhor trabalho jornalístico sobre a Saúde Oral nos Serviços Públicos.

Também de forma original, será realizado um Curso para Assistentes Dentários, no primeiro dia do evento, limitado a 20 participantes, cujas vagas já foram preenchidas. António Pereira da Costa realça a importância da sua realização para “nutrir a carência de profissionais qualificados”.

As inscrições ainda se encontram abertas e a aspiração do presidente da Comissão Organizadora é conseguir reunir 100 participantes, superando o número de inscritos das últimas edições, que tem rondado os 60. O programa pode ser consultado aqui.



A entrevista completa pode ser lida na edição de maio do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Primários.

Dirigida a profissionais de saúde e entregue nas unidades de saúde familiar (USF) de Portugal, esta publicação da Just News tem como missão a partilha de boas práticas, de boas ideias e de projetos de excelência desenvolvidos no âmbito do SNS, visando facilitar a sua replicação.

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