Tratamento de feridas nas Unidades de Cuidados Continuados Integrados: As potencialidades da RNCCI
João Pedro Castro
Enfermeiro. Mestre em Cuidados Paliativos/Formação Avançada em Feridas. Diretor técnico da UCC WeCare, Póvoa de Varzim
A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) assume uma acrescida importância no sistema de saúde português, dado o preocupante envelhecimento da nossa população. Perspetiva-se que, em 2050, cerca de 32% da população tenha mais de 65 anos e, dentro destes, que 10% tenha idade igual ou superior a 80 anos.
Por conseguinte, é necessário fomentar o conhecimento de todos os profissionais de saúde, seja do meio hospitalar ou dos cuidados de saúde primários, sobre os critérios de referenciação, o funcionamento e as potencialidades da RNCCI.
É notório um desvirtuamento no processo de referenciação, muitas vezes criado pela pressão hospitalar em vagar camas, outras vezes devido à dificuldade de se avaliar as necessidades de cuidados dos doentes no domicílio e/ou seus prestadores de cuidados, que acabam por recorrer ao serviço de urgência pela incapacidade de gerir os cuidados. Hoje sabemos que a referenciação pela equipa de Medicina Geral e Familiar pode evitar internamentos hospitalares desnecessários.
Assim, é crucial “olhar” a RNCCI como um parceiro de cuidados e uma necessidade cada vez mais emergente, dada as características e a evolução da nossa população. É evidente a evolução nos últimos anos das características dos doentes nas diferentes tipologias. No entanto, o desinvestimento por parte dos sucessivos governos tem levado a diversos constrangimentos, que podem colocar em causa, a curto e médio prazo, a sustentabilidade, ou até mesmo a sobrevivência de muitas instituições.
Estas dificuldades vieram acentuar-se com a pandemia covid-19, a nível de recursos materiais, com sérias dificuldades no acesso a materiais de proteção individual, mas também a nível de recursos humanos. A título de exemplo, salientam-se as equipas de enfermagem, que apresentavam já em diversas instituições, dependendo da região do país, taxas de turnover de 70%.
Segundo dados de 2019, dos motivos de referenciação, cerca de 42% dos doentes referenciados para a RNCCI apresentam necessidades de prevenção e tratamento ao doente com ferida – ferida cirúrgica; úlceras por pressão (UP) e outras lesões. Percebemos, assim, a importância do investimento nesta área da prestação de cuidados.
A nossa instituição, na procura de melhores cuidados e de uma prática sustentada na melhor evidência, após a criação de novas parcerias, nomeadamente com o Wounds Research Lab, da Universidade Católica Portuguesa, otimizou os cuidados nesta área.
Neste sentido, a We-Care investiu na formação contínua, na investigação e em tecnologias avançadas de tratamento de feridas, como oxigenoterapia tópica, irrigação pulsátil e terapia de pressão negativa.
Através de uma abordagem multidisciplinar, conseguimos diminuir o tempo de cicatrização, bem como a incidência de UP. Foi possível, nesta fase de pandemia covid-19, testar novas tecnologias para a monitorização contínua das feridas, nomeadamente, live streaming com uma câmara periférica e biblioteca com proteção de dados, permitindo otimizar os recursos humanos, reduzir o número de EPI gastos consumidos, promover o ensino à distância e consultoria.
Concluímos reforçando que a abordagem multidisciplinar presente nas equipas da RNCCI permite-nos otimizar intervenções no tratamento de feridas, sendo necessário rever com urgência o financiamento nesta área, nomeadamente, na Unidade de Longa Duração e Manutenção, cujo financiamento está dependente da origem do doente.
Com base nestas premissas, doentes com necessidades iguais são “financiados” em diferentes proporções, o que pode prejudicar o investimento e a qualidade nesta área.
O artigo pode ser lido no Jornal Médico dos cuidados de saúde primários de fevereiro.