«Resultados laboratoriais: validação e interpretação»
Rui Abrantes Pimentel
Especialista em Patologia Clínica pela OM autor da coleção Medicina Laboratorial - Da prescrição à interpretação clínica (LIDEL)
Antes de ser tomada uma decisão perante resultados laboratoriais, é importante que os processos de validação (técnica e biopatológica) e de interpretação, tanto a nível laboratorial como clínico, permitam assegurar a sua qualidade e determinar se estes resultados refletem o estado de saúde dos pacientes ou se resultam de variáveis pré-analíticas, analíticas ou pós-analíticas.
Todos os resultados analíticos têm uma variabilidade própria associada constante e natural (biológica e analítica) em relação a um valor de tendência central, cujo valor real (in vivo) está compreendido, com elevado grau de probabilidade (> 95%), na amplitude do seu intervalo. A esta variabilidade pode associar-se, de forma imprevisível, aleatória e indesejável, um enviesamento decorrente do efeito de um erro, falha ou interferência.
A variabilidade associada aos resultados laboratoriais está relacionada com diversos fatores e condições, dos quais se destacam, de acordo com a sua origem, os seguintes:
• A variabilidade biológica intraindividual específica de cada parâmetro ou analito (equilíbrio homeostático);
• As alterações do estado de saúde e características das patologias que o condicionam (variabilidade fisiopatológica);
• As alterações decorrentes de atos ou de intervenções no âmbito da terapêutica ou do diagnóstico (variabilidade iatrogénica);
• As alterações decorrentes dos processos pré-analítico, analítico (desempenho dos ensaios) e/ou pós-analítico;
• As alterações decorrentes da estabilidade dos analitos (mensurandos), da preparação pré-analítica efetuada pelos pacientes e das condições de colheita, de conservação e do seu processamento laboratorial;
• As interferências analíticas positivas ou negativas, cuja grandeza é refletida na diferença entre o resultado obtido/reportado e o seu valor real (in vivo).
A validação técnica dos resultados deve ser efetuada com base nos resultados do controlo interno da qualidade (regras e limites de controlo definidos em função do desempenho dos ensaios – estado da arte – e das EDA adotadas), dos valores dos índices de hemólise (< 30-50), de icterícia (< 20) e de turvação/“lipemia” (< 30-100) e dos alarmes dos sistemas analíticos, dos quais se destacam os que refletem um volume insuficiente da amostra, a presença de bolhas de ar e/ou de hiperviscosidade, de absorvâncias dos brancos excessivamente elevadas (diminuição da amplitude da escala operacional) e de cinéticas ou curvas de reação anormais.
A validação biopatológica e a interpretação clínica dos resultados laboratoriais devem ser efetuadas com base na sua verosimilhança, na significância da diferença crítica (CD - critical difference ou RCV - reference change value) em relação aos resultados obtidos em colheitas anteriores (delta-check), na concordância com os resultados de ensaios alternativos com maior sensibilidade e/ou especificidade (segundo método), com outros parâmetros laboratoriais com eles relacionados (coerência interparamétrica) e com a história clínica e epidemiológica, assim como na comparação com critérios fixos, designadamente com níveis de decisão clínica (NDC) ou com limites ou intervalos de referência (IR) específicos.
A utilidade objetiva dos critérios fixos (NDC e IR) dos diversos mensurandos é condicionada, em grande parte, pelo seu índice de individualidade {II = [(precisão própria do método%2 + Cv% biológico intraindividual2)0,5 ÷ Cv% biológico interindividual]}. A valorização e a interpretação clínica dos resultados dos mensurandos com elevado II (até 1,4) devem ser efetuadas preferencialmente em função da comparação com os anteriores (CD ou RCV), e os que têm um II baixo (> 1,4) com os critérios fixos (NDC e IR). A maioria dos mensurandos de química clínica, do hemograma, da hemóstase, da trombofilia e da fibrinólise tem um II elevado.
A validação e a interpretação corretas dos resultados laboratoriais exigem que os profissionais do laboratório e os médicos prescritores tenham conhecimento das fontes, características e grandeza dos diferentes tipos de variabilidade dos resultados, com potencial impacto nas decisões clínicas, para não comprometer a qualidade de vida dos pacientes.