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Reportagem - UCFD do ACES Lisboa Ocidental e Oeiras




A Unidade Coordenadora Funcional da Diabetes (UCFD) do ACES Lisboa Ocidental e Oeiras trouxe melhorias na comunicação entre os cuidados de saúde primários e secundários, mas mantém-se a falta de recursos humanos e também materiais. Limitações que se espera não tragam complicações de maior no controlo da diabetes, nomeadamente nos casos mais delicados, como na diabetes gestacional, no pé diabético e na hiperglicemia intermédia.



“Um dos nossos ´cavalos de batalha`é o seguimento das mães que tiveram diabetes gestacional.” Para José Guia, coordenador médico a nível hospitalar da UCFD Lisboa Ocidental e Oeiras e internista no Hospital São Francisco Xavier – CHLO, devia existir um melhor acompanhamento das mulheres que tiveram diabetes na gravidez. “São um grupo de risco, existindo boas probabilidades de virem a ser diabéticas mais tarde.”

O hospital tenta colmatar de alguma forma esta situação e todas as grávidas diabéticas recebem, na última consulta antes do parto, uma requisição de análise à tolerância da glicose oral. “Esta prova, a realizar entre as 6 e 8 semanas após o parto, está prevista no Relatório de Consenso sobre Diabetes e Gravidez de 2011. É uma ferramenta essencial na reavaliação destas mulheres, no sentido de despistar hiperglicemias intermédias ou diabetes mellitus após quadro de diabetes gestacional.”

Também nesta altura se aplica o protocolo de atuação periparto, que inclui soros e insulinas para facilitar o controlo da doença no parto. Outras dificuldades sentidas no hospital prendem-se com o controlo do pé diabético e a educação para a saúde. O mesmo se passa nas unidades de saúde (USF e UCSP) do ACES Lisboa Ocidental e Oeiras que integram esta UCFD.

Rafic Nordin é o presidente do Conselho Clínico e de Saúde (PCCS) do ACES e coordenador da UCFD e refere que “é essencial apostar numa abordagem multidisciplinar através do ensino, enfatizando os benefícios das alterações comportamentais e do estilo de vida, do controlo sistemático e regular do pé diabético, prevenindo futuras complicações, como amputações, e pelo rastreio oftalmológico, para deteção precoce e tratamento da retinopatia diabética, para se evitar a cegueira”.

Estes desafios, que fazem parte do quotidiano dos médicos e dos enfermeiros de família, podem ser mais facilmente enfrentados com o modelo UCFD, como refere Rafic Nordin. “Tem facilitado muito mais a comunicação com os colegas do hospital, bastando, por vezes, um telefonema para alertar sobre alguma situação mais grave, como se de uma ´Via Verde`se tratasse.”

A preocupação pelo doente diabético sempre existiu, mas a UCFD veio melhorar a articulação entre os dois níveis de cuidados, o processo assistencial integrado e uma otimização dos indicadores de saúde, através do cumprimento de objetivos comuns dos CSP e do hospital. “Acredito que este modelo vai contribuir para uma melhor eficiência através desta abordagem comum a um flagelo da sociedade atual que é a diabetes”, frisa Rafic Nordin.

José Guia concorda: “Facilitou bastante a referenciação, existindo uma linha mais direta de comunicação entre cuidados secundários e primários. Além disso, passámos a falar todos a mesma linguagem e o doente tem acesso a cuidados mais uniformizados.”

A reportagem pode ser lida em formato de e-paper:


Todos os doentes passam pelo médico, pela enfermeira e pela dietista

Os casos mais delicados, como a diabetes tipo 1 e as grávidas diabéticas, quando encaminhados para o Hospital de São Francisco Xavier, são avaliados por um médico, uma enfermeira e uma dietista. “A alimentação é fundamental no controlo da diabetes, daí que contemos com o apoio da dietista, que avalia cada pessoa na primeira consulta hospitalar. Um acompanhamento mais frequente nesta especialidade depende depois de cada caso clínico”, explica José Guia.

O coordenador médico começa sempre por ver os doentes e alertá-los para o que é a diabetes e as possíveis complicações, além de apostar no ensino. “A educação para a saúde tem de ser feita por todos os profissionais, porque é sempre preciso repetir toda a informação sobre estilos de vida saudáveis, e não só, até que as pessoas entendam e ponham em prática os conhecimentos que adquiriram.”

No caso das grávidas, o ensino estende-se ao pai da criança, caso esteja presente na consulta. “Muitas vezes estamos perante famílias com antecedentes muito fortes de diabetes e é preciso alertar a mãe e o pai para a necessidade de se adotarem estilos de vida saudáveis desde o útero, para que o filho tenha menos hipóteses de ser diabético.”

Quanto à adesão à terapêutica, o principal problema não está na grávida, como menciona Isabel Pita Grós, enfermeira da equipa alargada da UCFD a nível hospitalar. “Como se trata de um filho, é rara a mulher que não faça o que dizemos. O problema coloca-se fora da gravidez, quando chegam casos de pessoas que estão descompensadas por não seguirem as indicações.”

Um dos possíveis obstáculos na adesão à terapêutica pode ser a cultura, mas a enfermeira acredita que no Hospital São Francisco Xavier se consegue resolver essa limitação. “Existem cada vez mais imigrantes, com outras culturas e hábitos alimentares radicalmente diferentes, mas é possível fazer educação para a saúde, respeitando as suas tradições.”



Quanto à comunicação, também não há problema, porque arranja-se sempre um tradutor. “A maioria fala inglês, temos uma colega que fala bem o francês e vamos ajudando-nos uns aos outros, consoante cada caso.” Como a zona de abrangência do hospital engloba muitos imigrantes, Isabel Pita Grós já está habituada a este tipo de situações e garante que nunca se deixa de falar seja com quem for.

“Há uns tempos, tivemos o caso de uma senhora indiana que não sabia uma única palavra de português e quem a ajudou foram os pais de uma colega do serviço, que são indianos.”

Relativamente à UCFD, a enfermeira acredita que é “um bom modelo, que facilita a referenciação, principalmente em casos de descompensação”. E dá um exemplo: “Se um colega da USF recebe um doente com uma lesão complicada no pé, que exige uma intervenção rápida, em vez de o encaminhar para a Urgência e de esperar os trâmites habituais do processo de referenciação, basta telefonar-nos e resolvemos a situação.”

Falta de recursos humanos limita educação para a saúde nos CSP


Maria José Vazão, uma das enfermeiras representantes da UCFD no ACES, também concorda que o modelo UCFD agiliza o contacto entre instituições de saúde. Apesar de sempre se ter dado importância ao acompanhamento do doente diabético, Maria José Vazão acredita que este novo percurso vai melhorar os cuidados prestados. “Existe uma uniformização de cuidados, contactos mais permanentes com os colegas.”

Como nos CSP se verifica, sobretudo, o acompanhamento de diabéticos tipo 2, predomina o caso do doente idoso que descobriu, entretanto, que sofre de diabetes ou aquele que já o é há muitos anos. “A educação para a saúde não é fácil, sendo difícil mudar determinados hábitos de vida já muito enraizados”, refere Maria José Vazão.

A enfermeira salienta que, além dos hábitos alimentares e do excesso de peso e obesidade, o pé diabético ainda é um problema muito grave. Afirma que “é preciso apostar mais na prevenção do pé e, nas consultas, é necessário ensinar as pessoas a observarem frequentemente os pés em busca de lesões, visto que, por vezes, a sensibilidade pode estar diminuída".

Na sua opinião, "importa alertar para a importância de prevenir essas mesmas lesões, evitando os objetos cortantes (usar lima de cartão para cortar as unhas é uma boa alternativa) e procurando o calçado adequado, assim como ensinar a
combater o aparecimento de fungos e calosidades, com uma higiene e hidratação adequada dos pés.”

Um trabalho que não é fácil, sublinha, “pela resistência habitual à mudança de comportamentos, mas também devido à falta de disponibilidade de tempo por parte da equipa para fazer educação para a saúde”. Além do ensino individual na consulta, a enfermeira gostaria de apostar mais em ações de educação para a saúde em grupo e na prevenção primária, identificando as pessoas de risco para poder prevenir a diabetes tipo 2, ao invés de apenas a tratar quando já está instalada.

A especialista considera ainda que seria também “de extrema utilidade se pudessem existir nutricionistas e podologistas nos ACES, trabalhando em conjunto com médicos e enfermeiros no controlo da pessoa com diabetes”.

O regresso aos cuidados de saúde primários verifica-se quando o doente já está controlado e acontece sem problemas, a não ser, por vezes, alguma resistência de quem já é seguido no hospital há muitos anos, devido à relação estabelecida com os profissionais que acompanham o caso.

Pé diabético é “catastrófico”


O pé diabético continua a ser a grande dor de cabeça dos profissionais de saúde. E, no futuro, todos concordam que é preciso diminuir o número de amputações, nomeadamente, as major. “No ACES, temos sempre em atenção o pé, que pode comprometer a vida de uma pessoa, além dos custos associados a esta comorbilidade”, aponta Rafic Nordin.

José Guia corrobora e relembra que o pé diabético é “catastrófico”, explicando porquê: “Só quem não viveu esta realidade como profissional de saúde, doente ou familiar é que pode achar que se trata de uma situação simples. As pessoas podem ser amputadas, deixar de trabalhar.” E acrescenta:

“Além do sofrimento que acarreta, existem custos económicos importantes em (re) internamentos, amputações, tratamentos, baixas médicas e reformas antecipadas.”

A solução, no seu entender, tem duas vertentes: “Antes de mais, o médico e o enfermeiro têm de observar o pé e fazer o ensino, caso contrário, o doente não vai ter em atenção se tem algum problema. Segundo, devem existir os recursos necessários.”

Para o endocrinologista e responsável médico da UCFD, “é importante equipar os CSP com monofilamentos, micromotores e diapasões, sendo a presença de podólogos essencial”, reforça. O ideal seria também apostar em palmilhas, que previnem o aparecimento de problemas maiores e ajudam na cicatrização. Contudo, tem dúvidas que a sua aquisição venha a ser considerada uma prioridade, face aos custos inerentes.

“No meu serviço, a minha colega e eu comprámos um diapasão que custa apenas 70 euros… Se não se aposta num diapasão, quanto mais em palmilhas…”, desabafa o médico.

Aumento da hiperglicemia intermédia

Outra situação que também se revela preocupante, segundo José Guia, é a hiperglicemia intermédia, que tem aumentado, como revela o Relatório do Observatório Nacional da Diabetes. “Temos de conhecer estes casos o quanto antes, para se poder intervir e evitar as complicações associadas à diabetes.” Rafic Nordin concorda: “Os CSP são os que mais responsabilidade acabam por ter nesta área, porque acompanhamos os doentes desde que nascem. É preciso apostar no rastreio e estar atento à hiperglicemia intermédia.”

Ela pode surgir, por exemplo, em mulheres que tiveram diabetes gestacional. Para já, a prescrição da análise à tolerância da glicose oral após o parto é uma forma de nos CSP se continuar a dar atenção a este grupo de risco. Mas tanto Rafic Nordin como José Guia acreditam que ainda há muito trabalho a fazer em termos de prevenção e diagnóstico precoce.



Reportagem publicada no Jornal Médico de dezembro. 

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