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Opinião

Relato da experiência vivenciada em Cuidados Paliativos na Equipa Beja+


Lúcia Vaz

Interna de Formação Específica em MGF, 4º ano. USF Locomotiva, Entroncamento.



Por Cuidados Paliativos (CP) entende-se, segundo a Lei de Bases dos CP de 2012 “os cuidados ativos, coordenados e globais, prestados por unidades e equipas específicas, em internamento ou no domicílio, a doentes em situação de sofrimento decorrente de doença incurável ou grave, em fase avançada e progressiva, assim como às suas famílias (…) através da prevenção e alívio do sofrimento físico, psicológico, social e espiritual, com base na identificação precoce e do tratamento rigoroso da dor e outros problemas físicos, mas também psicossociais e espirituais”.

Desde 2008, a Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos Beja + presta cuidados em 10 dos 13 concelhos da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo. A extensão do território abrangido é de 6 mil Km2 para uma população potencial de 115000 pessoas.

É composta por um “núcleo básico” constituído pela médica Cristina Galvão e pela enfermeira Catarina Pazes, com formação avançada em CP, 1 assistente social, 2 psicólogas e 11 enfermeiros de referência. A Equipa Beja + disponibiliza acompanhamento telefónico especializado 24 horas/dia, em caso de agravamento dos sintomas.

Durante um mês acompanhei a atividade da Equipa. Cerca de 80% dos cuidados foram prestados no domicílio e os restantes em lares e em Unidades de Cuidados Continuados a doentes que são maioritariamente oncológicos, com demência ou doença cardíaca incapacitante. Foram feitas em média por dia 3 visitas domiciliárias e 12 atendimentos telefónicos.


Lúcia Vaz, Cristina Galvão (médica), Catarina Pazes (enfermeira) e Sheila Maugi (interna 4º ano UCSP Torres Novas).

 
Durante o estágio aprofundei a importância e a riqueza inigualável da visita domiciliária e da prática médica centrada na pessoa doente e fragilizada bem como no seu núcleo familiar. É elaborada uma história clínica completa e avalia-se a dor e grau de dependência (Escala de Edmonton e Paliative Performance Scale). Reforça-se sempre a disponibilidade da Equipa nas situações de agudização, passíveis de resolução no domicílio, evitando assim deslocações ao serviço de urgência.

Aprendi a manusear fármacos (indicações, doses, e rotação de opióides, vias de administração). Consciencializei-me de que com a correta manipulação de fármacos é possível controlar sintomas muito importantes dos quais considero a dor o expoente máximo do sofrimento e que dificulta a dignificação da pessoa humana no seu ciclo final de vida.

Utilizou-se terapêutica sintomática como, por exemplo, metoclopramida (controlo de vómitos), laxantes (obstipação), butilescopolamina (estertor), dexametasona (anti-inflamatório e aumento apetite), haloperidol (vómitos, agitação), morfina (dor e/ou dispneia). 

Quanto à via de administração dos opióides, foi privilegiada a transdérmica, sendo a oral reservada para a terapêutica de resgate, quando necessária. A via de administração subcutânea foi a via de eleição quando a via oral não se encontrava disponível. É fácil de aplicar e segura, podendo ser facilmente utilizada pelos familiares para a administração dos fármacos ou simplesmente para hidratação de acordo com as necessidades e grau de comprometimento da via oral.


Lúcia Vaz com dois membros da equipa: Marta Antunes (assistente Graduada de MGF) e Cátia Gabriel (interna do 1.º ano de MGF)

Na interação equipa/pessoa/família emerge a situação de comunicação de más notícias. Pude pôr em prática técnicas estruturadas na transmissão de más notícias, entre as quais o Protocolo de Buckman, que me auxiliaram e permitiram melhorar a perícia na comunicação com a pessoa em fim de vida e seus familiares.

Assisti à realização de conferências familiares. Aqui clarificam-se os objetivos dos cuidados, apoia-se na tomada de decisões relativas a dilemas (nutrição, hidratação, internamento, ressuscitação), prepara-se para a perda e previne-se o luto patológico. A relação com a família é mantida, de forma a acompanhar o seu processo de luto e detetar casos que careçam de apoio psicológico.

A minha aprendizagem foi rica em termos humanos, éticos e técnicos. Para permitir a individualização da abordagem do doente paliativo seria necessário universalizar os serviços de cuidados paliativos domiciliários com qualidade, apostando na formação e no alargamento das equipas no terreno.



Artigo publicado na edição de dezembro do Jornal Médico.

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