«Quais os caminhos por onde anda o lúpus eritematoso sistémico?»


Carlos Vasconcelos

UIC – Unid. Imunologia Clínica, ULS de Santo António. ICBAS-UP. IMEI – Inst. Médico para Estudos Imunológicos, Porto



Novos ventos correm pela área do lúpus eritematoso sistémico (LES) desde a fisiopatologia à estratégia terapêutica e até aos fármacos.

Na fisiopatologia, para além do essencial papel do interferão, outras moléculas e células têm vindo a ser implicados e ensaios clínicos a serem realizados com sucesso, apesar de tudo, incerto. Mas novos fármacos já demonstraram o seu valor, justificando a sua introdução no armamentário terapêutico “oficial”, belimumab, anifrolumab e voclosporina.

Mas é na estratégia do tratamento que se sentem mais os ventos de mudança. Quando começar o tratamento? Tratar sintomaticamente e aguardar que passe? Ou seguirmos
o conselho de Daniel Mccarthy, em 1990, na artrite reumatóide (AR) – “Treat rheumatoid arthtritis early and let the pyramids to the Egyptians” –, que tanto benefício trouxe aos doentes e que desaguou na estratégia treat to target (T2T).

Os princípios básicos desta estratégia são bem conhecidos e a sua aplicação prática em doenças como a HTA, diabetes e AR é corrente.

No LES, embora os princípios gerais e objetivos tenham sido descritos já há anos, a verdade é que a sua aplicação na prática clínica não tem sido demonstrada. Uma tendência ainda
bastante comum é deixar a doença lúpica “ir correndo” – felizmente, na maioria dos doentes, sob hidroxicloroquina --, se não está envolvido algum orgão “importante”, até um dia, muitas vezes ao fim de semana, em que aparece a tempestade.

E é esse o problema, a tempestade pode matar, a tempestade tantas vezes deixa cicatrizes com efeito na qualidade de vida, a tempestade significa que a doença não estava
controlada e que, de alguma forma, falhámos na percepção de sentir a necessidade de controlar melhor a doença.

É certo que não dispomos no LES de um marcador tão simples, tão claro e tão útil como a VSG/PCR, e não temos “só” o órgão articular para avaliar, mas dispomos já de várias escalas e parâmetros clínicos e laboratoriais, que permitem definir com bastante acuidade a presença ou ausência de doença ativa.


Carlos Vasconcelos

Então o que falta, que barreiras temos de derrubar para diminuirmos as probabilidades de sermos surprendidos pelas tempestades lúpicas e, consequentemente, melhorar a
sobrevida e a qualidade de vida das nossas doentes?

Estratificar o LES que temos pela frente, utilizando a muita informação já acumulada sobre as diferentes histórias evolutivas da doença lúpica, as muitas escalas, os conhecidos fatores clínicos, laboratoriais e imagiológicos de prognóstico e questionar essa estratificação recorrentemente.

Desconfiar dos LES SAQCS, serologicamente ativos, clinicamente quiescentes, principalmente se são de instalação recente. Esforçarmo-nos para tentar prever a evolução, sendo
para isso essencial que disponhamos a cada momento, a cada consulta, de uma visão global do doente, com informação cumulativa sobre os órgãos envolvidos, períodos de atividade/inatividade da doença, dano acumulado e medicação utilizada (TOAD).

E, acima de tudo, utilizar mais precocemente o armamentário terapêutico de que já dispomos, para obter remissão clínica. Com bom senso, claro!


O artigo pode ser lido no Jornal do X Congresso Nacional de Autoimunidade, editado pela Just News.

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