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«O nosso objetivo estratégico é desenvolver produtos que possam ser exportados»




A Ferraz, Lynce, S.A. teve origem como agente da empresa alemã Boehringer Mannheim, que procurava um representante em Portugal.

Rapidamente, conseguiu obter representações de outras empresas farmacêuticas e, mais tarde, com a colaboração de técnicos alemães, iniciou a produção de produtos próprios, atingindo, entretanto, uma dimensão que justificava a implementação de uma fábrica de especialidades farmacêuticas.

Em 1951, o laboratório Iberfar – Produtos Farmacêuticos, S.A. iniciou a sua atividade e passou a assegurar o fabrico, em Portugal, de medicamentos que a Ferraz, Lynce importava e comercializava. A Logifarma, Logística Farmacêutica, S.A. foi criada, depois, em 1997, e fornece, tal como o nome indica, serviços de logística farmacêutica, disponibilizando aos seus clientes e depositantes toda uma gama de outros serviços, permitindo-lhes concentrarem-se no respetivo core business.

Jornal Médico (JM) – A Ferraz, Lynce é uma empresa familiar. Fale-me um pouco da sua história?
Pedro Ferraz da Costa (PFC) A Ferraz, Lynce foi fundada pelo meu avô, que, antes de criar a empresa, tinha trabalhado na Casa Pinto Basto, que importava muitos produtos químicos, os poucos medicamentos existentes, entre outros.

O meu avô iniciou a sua atividade com os produtos químicos e começou, em 1931, a trabalhar com a Derringer Ming, onde éramos representantes de quinina – que, nessa altura, era usado, em Portugal, para a malária – e vários opiáceos, como morfinas, codeínas e outros, que tinham um uso terapêutico mais alargado do que têm hoje.

Morreu muito novo, em 1940. O meu pai era também bastante jovem, estava a tirar o curso de Farmácia e ficou responsável pela empresa. Era herdeiro e filho único e dirigiu-a quase exclusivamente para a área dos produtos farmacêuticos, deixando, portanto, tudo o que eram produtos químicos.

Começou com muitas dificuldades, porque quase todas as nossas representadas alemãs tinham mercadoria à consignação em Portugal e quando acabou a guerra os bens alemães foram todos congelados.

De um momento para o outro, ficámos praticamente sem nada para vender e o meu pai, nessa altura, comprou a Farmácia Internacional, na Rua do Ouro.
A ideia era já pedir um alvará de fabricação, pois, seria a forma de entrar na atividade a que demos início em 1952, na Av. Defensores de Chaves, sendo depois adaptada para fábrica, de pequena dimensão. Em 1964, construiu a primeira fábrica de raiz – inaugurada em 1965, em Queluz de Baixo – e, em 1994, passou a empresa para os sucessores e estas atividades para mim.

A Ferraz, Lynce foi uma empresa com uma dimensão muito grande no passado. Das companhias portuguesas, era quase a única que não fazia cópias, respeitava a propriedade intelectual dos laboratórios. Por isso, houve imensas farmacêuticas a começar, em Portugal, connosco. A partir do momento em que entrámos na União Europeia, com liberdade de estabelecimento, a maior parte, face ao crescimento do mercado farmacêutico português nos últimos 30 anos, autonomizou-se e criou as suas próprias empresas, normalmente só com funções comerciais.

Nós, em alguns casos, conservámos a fabricação. Não temos dúvidas de que é muito difícil desenvolver uma empresa com base num mercado interno tão pequeno quanto é o português.

Somos da opinião que só com um nível de subsidiação governamental muito elevado é possível ter atividades de investigação e desenvolvimento. Ter um modelo assente em investigação de base de desenvolvimento e contratação de licenças, como faz por exemplo o Bial, não nos parece realista. O Estado português tem apoiado muito a investigação de Bial, mas não teria recursos para apoiar mais.

JM – Quais são então as apostas do grupo?
PFC O que tentamos fazer é uma diversificação em termos das atividades do futuro. São três as áreas em que nós diversificámos. Uma delas foi entrar na parte da logística farmacêutica, com a Logifarma, que é líder de mercado em muitos aspetos da atividade. Tem 57 clientes e é a maior em distribuição de produtos de Biotecnologia e naqueles que exigem uma armazenagem de frio.

Temos uma segunda área, que é a nossa participação na Biotecnologia, através da empresa Biotecnol, de que somos sócios. Quer ao nível dos serviços, quer dos produtos, achamos que este é um setor com imensas possibilidades de futuro, embora existam limitações importantes para a sua localização em Portugal.

A nossa terceira aposta foi em Angola, onde, em conjunto com a Medlog, comprámos 66% de uma entidade local, que tem, por um lado, uma rede de farmácias e, por outro, uma empresa de importação e distribuição.

Temos 160 pessoas em Luanda e a possibilidade de crescer muito.

JM – Quantos colaboradores tem o grupo em Portugal?
PFC A Ferraz, Lynce/Iberfar tem 120 e a Logifarma cerca de 90.

JM – Desafios e objetivos para os próximos anos?
PFC O nosso objetivo estratégico é desenvolver produtos para determinadas áreas, a fim de poderem depois ser exportados. Procurar produtos que nos deem dimensão no mercado interno não é de todo a nossa prioridade.

Temos uma previsão muito negativa sobre a evolução do mercado farmacêutico em Portugal, porque as medidas de controlo das despesas de saúde têm incidido quase exclusivamente sobre este setor e não vemos muitas condições políticas para que seja diferente. Tudo aquilo que nós tentamos fazer em termos da nossa atividade de fabricação move-se, fundamentalmente, pelo objetivo de fazer mais para fora do que para dentro.

Estávamos muito dependentes, como quase todas as empresas de fabricação em Portugal, do mercado interno, que cresceu brutalmente nos últimos anos, como era natural.

O que exportávamos, há cerca de três anos, era 10% do que fabricávamos. Neste momento, já vai em 30% e esperamos chegar rapidamente aos 50%. Estaremos bem como empresa quando o mercado português for, na nossa atividade, uma coisa tão pequena como Portugal é no mundo.

Internacionalização da atividade como saída

JM – Falou há pouco das cópias. Assistiu à afirmação das companhias farmacêuticas. O que é que recorda desse altura, uma vez que havia falta de regulamentação?
PFC Havia dois grupos com interesses muito contraditórios em Portugal. Era o grupo dos que achavam que podíamos fazer investigação. Contudo, para a fazerem tinham de ter a possibilidade de a proteger.

Outros achavam que não podíamos fazer investigação e que, portanto, o que deveríamos era copiar o que se fazia. A Espanha e a Itália tiveram trajetos muito parecidos.

Com o desenvolvimento, há um dia em que se percebe que, porque já investigámos, o que temos a defender é maior do que o que temos a ganhar copiando os outros.

E, como não é possível vivermos os dois mundos ao mesmo tempo, há essa mudança. A compra das centrais digitais telefónicas à Siemens, que tinham como contrapartida para o Estado Português montar, em Portugal, um centro de desenvolvimento de software, é um ponto que marca precisamente isso.

Na altura, eles afirmaram ser necessário que o software desenvolvido fosse protegido, caso contrário, iriam fazê-lo em outros países que o protegessem. Disseram ao Estado que os portugueses têm muito jeito e vocação para essa área e que, por não deixarem proteger os softwares, estaríamos a desaproveitar uma oportunidade muito boa.

E isto é tão verdade que existem vários centros de outras empresas dessa área com boas experiências no nosso país. A Vodafone Portugal, por exemplo, é considerada a melhor fábrica de ideias novas a nível da Vodafone Internacional.

Portanto, o copiar, psicologicamente, é assumir uma posição de menoridade. Investigar é desenvolver, é o contrário. Porém, acho que durante bastante tempo, e pela influência pessoal de algumas pessoas, mantivemos uma situação que facilitava as cópias, até aos anos 90.

JM – Devido ao atual contexto económico, a Indústria nacional tem vivido algumas dificuldades. Considera que esses constrangimentos têm um maior peso na área farmacêutica do que noutras áreas da saúde?
PFC Até agora, os números mostram isso.

JM – Considera que as medidas de contenção dos custos com a despesa com os medicamentos afetaram a competitividade do setor?
PFC As empresas não podem viver viradas para o seu umbigo, têm de perceber o setor onde estão inseridas e o que é possível. Por leviandade governamental, inação de quem devia controlar e a natural tendência para tentar vender mais, e para todos os profissionais do setor, vivemos períodos, vistos de forma retrospetiva, dificilmente compreensíveis.

Como era possível que, há mais de 10 anos, o número de delegados de informação médica estivesse em baixa na Europa e cá continuasse a subir? Como é que se justificam os níveis de publicidade, de prémios, de bónus, de congressos, de viagens, entre outras coisas que, na minha opinião, são, pelo menos, absurdas?

O valor da informação levado ao médico e o rigor na avaliação da qualidade dessa documentação foi um dos fatores de progresso introduzidos pela Indústria Farmacêutica nos últimos anos. Isto estava, na minha opinião, muito abandalhado. Em termos deontológicos, muitas empresas fizeram coisas inconcebíveis, perante grande tolerância, quer dos colegas, quer das autoridades.

Temos outro aspeto que é, também, surpreendente: a permissividade das diversas inspeções perante todas as fraudes ligadas a este setor, como a fabricação de receitas, que depois se concentram especialmente numa ou noutra empresa.

Ninguém é responsável por isso. Como é possível? Tenho muita dificuldade em conviver com pessoas pouco sérias e uma incapacidade de as tratar como as outras, porém, vejo que há muita gente que considera que isso é normal. Há comportamentos que não são aceitáveis e é preciso haver uma coação social em relação a este tipo de comportamentos. Delegados cuja atividade é comprar médicos e farmacêuticos, ao longo do seu trajeto, para fabricar receitas e posteriormente levantar o medicamento para fazer exportações paralelas é algo que apareceu em Portugal com dimensões surpreendentes.

Por que é que as autoridades, em vez de se meterem em coisas que têm tão pouca importância, como aquelas com que se costumam preocupar, não concentram recursos nesta atividade? É desmoralizador e desprestigiante para todas as pessoas do setor.

Sinto-me revoltado com isto. A Indústria Farmacêutica tem uma reputação tão boa ou tão má como a do tabaco e a do armamento. Porquê? Talvez porque, de facto, existe muita gente no setor com atitudes e comportamentos que não são aceitáveis.

JM – Referiu anteriormente que, em Portugal, são poucas as empresas que se dedicam à investigação e que para tal seria necessário um nível elevado de subsidiação. Além disso, quais os principais desafios que se colocam e o que, na sua opinião, poderia ser feito para que as empresas portuguesas apostassem mais na investigação?
PFC Não sei se vale a pena. Todas as grandes mundiais do setor investem cada vez mais e descobrem cada vez menos. E, neste momento, fundamentalmente, o que estão a fazer é comprar, em diversas fases, o que está a sair das áreas da Biotecnologia. Por isso é que a Ferraz, Lynce quis – em vez de tentar fazer investigação de novas moléculas – dar um salto para ter alguma participação na área da Biotecnologia.

A dificuldade é que, na Europa, durante anos, não se quis reconhecer a propriedade industrial na área da Biotecnologia, porque se é vida não é patenteável, logo ninguém investe, apesar de ser vida. Atualmente, isto está um pouco alterado.

Porém, os EUA, por essa razão e também pela experiência na proteção da propriedade intelectual, ganharam anos de avanço em todas essas áreas, avanço feito com base em financiamento por Business Angels e, mais tarde, por Venture Capital.

São coisas que existem muito pouco na Europa. Os estados europeus, que se metem em tudo, acham que até fazem eles próprios capital de risco e de Business Angels.

O que dá eficiência à figura do Business Angels é o facto de estar a investir o seu próprio dinheiro, o que faz com que tenha um cuidado especial. Se for uma agência governamental, o que quer é poder dizer que já financiou, por exemplo, 30, mesmo que, desses, 29 sejam péssimos.

Aqui é difícil, porque a parte financeira está pouco virada para este setor. Já estava antes do resgate e agora é ainda mais difícil. Qualquer critério de risco pode inviabilizar uma operação nessa área, sendo todas muito arriscadas.

Portanto, essas atividades crescem melhor em zonas onde os investidores também repartem o risco. Em Portugal, temos uma atividade muito dispersa em termos empresariais na área da Biotecnologia, que tem a ver com um defeito do sistema de financiamento e subsidiação da atividade de investigação feita pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, que aceitava com muita facilidade projetos individuais e muito menos trabalhos em grupo.

A Biotecnol está, neste momento, a tentar juntar várias empresas deste cluster da Biotecnologia em Portugal, com o intuito de conseguir ter uma oferta desde a fase da investigação a lotes para ensaios clínicos até depois à produção para o mercado. Acho que se têm feito coisas boas nessa área e que vamos ter resultados a curto prazo que mostram que vale a pena o esforço.

JM – Quais os desafios futuros que se colocam à Indústria Farmacêutica portuguesa?
PFC Acho que o desafio é a internacionalização da atividade, não vejo outra saída.


A entrevista foi publicada na edição de julho do Jornal Médico e pode ser lida em pdf AQUI


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