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Opinião

«Doenças autoimunes: quando suspeitar e quando não perseguir»


Gilberto Pires da Rosa

Internista e IFE de Dermatologia, CHUSJ



As doenças autoimunes englobam um vasto grupo de patologias caracterizadas por defeitos no sistema imunológico, que implicam a perda de auto tolerância, com o consequente desenvolvimento de respostas imunes direcionadas a células, tecidos e órgãos do próprio organismo.

Apesar da raridade de cada patologia, a sua prevalência tem vindo a aumentar, acarretando coletivamente significativa morbilidade e impacto na vida dos doentes pelo curso crónico e sem cura que, maioritariamente, as caracteriza.

Existem mais de 100 doenças categorizadas como autoimunes, mas entre as principais incluem-se o lúpus eritematoso sistémico, a esclerose sistémica, a síndrome de Sjögren, a sarcoidose, a síndrome antifosfolipídica, a doença de Behçet, as miopatias inflamatórias, as vasculites, a artrite reumatoide e a espondilartropatias seronegativas e patologias com tropismo de órgão/sistema (hepatite autoimune, tiroidite autoimune, trombocitopenia imune, uveítes e lúpus cutâneo, entre outras).

Estas patologias apresentam-se frequentemente sob a forma de manifestações clínicas e alterações analíticas inespecíficas, pelo que o conhecimento das principais características é imprescindível para o seu reconhecimento atempado e otimização da abordagem diagnóstica. A Medicina Geral e Familiar desempenha um papel fundamental neste processo, correspondendo à primeira porta a que os doentes vão bater quando surgem os sintomas.


Gilberto Rosa

É obviamente difícil abarcar e sistematizar as características de todas estas patologias, mas é importante conhecer os sintomas e sinais genéricos de alarme que nos devem fazer suspeitar de um fundo imune, entre os quais:

Quadros constitucionais (febre, perda ponderal, astenia, mal-estar generalizado) com despiste de etiologia infeciosa/neoplásica; sintomas articulares (artralgias/artrite de ritmo inflamatório); sintomas/sinais cutâneos (rash malar, púrpura, eritema nodoso); aftose oral e/ou genital recorrente; sintomas oculares (uveítes de repetição); eventos trombóticos de repetição; o fenómeno de Raynaud; sintomas sicca (xeroftalmia, xerostomia); sintomas musculares (mialgias, défice de força muscular sem etiologia causal identificada, elevação de enzimas musculares); morbilidade obstétrica (abortamentos de repetição sem etiologia causal identificada).

Estes são os quadros clínicos que nos podem levar à consideração de um estudo da presença de patologia autoimune, com a realização de um questionário clínico mais aprofundado e o pedido de um estudo laboratorial imune.

Não rotular precocemente com a etiqueta de “doente autoimune”

No entanto, tão vital quanto considerar os supracitados diagnósticos é saber não rotular precocemente pacientes com a etiqueta de “doente autoimune” e não perseguir estes diagnósticos ou pedir estudos laboratoriais em doentes com uma probabilidade pré-teste reduzida ou sem quadros clínicos que o justifiquem.

As alterações no estudo imunológico (positividade anticorpos antinucleares, anti-ENA, ANCA, fator reumatoide, anti-dsDNA, consumo de complemento, anti-CCP, elevação IgG4...) não acarretam por si o diagnóstico e o pedido destes parâmetros de forma inconsequente está associado a diagnósticos errados, ansiedade desnecessária por parte do doente e desperdício de recursos em saúde.

É neste difícil equilíbrio entre não descurar o diagnóstico e perseguir em excesso que vive a abordagem às patologias autoimunes e é fundamental que a Medicina Geral e Familiar tenha as armas para abordar esta dicotomia com confiança.



Artigo publicado no Jornal das III Jornadas Multidisciplinares de MGF, distribuído a todos os participantes da reunião.

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