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Opinião

Desmaterialização da prescrição eletrónica: mito ou realidade?


Diogo Reis

Diretor de Sistemas de Informação, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde



Diogo Reis
Diretor de Sistemas de Informação, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde

Recuando um pouco na história, no século X, a medicina e a farmácia eram uma única profissão. O boticário assumia a responsabilidade de conhecer e curar as doenças e só podia exercer tal profissão quem cumprisse determinados requisitos, como a existência de um espaço e de equipamentos adequados para a preparação e guarda dos medicamentos.

Por volta de 1240, com o desenvolvimento dos conhecimentos na área da saúde e com a constante necessidade de se prepararem substâncias mais elaboradas, a Farmácia e a Medicina tornaram-se autónomas. Em Portugal, esta separação profissional só aconteceu dois séculos mais tarde, em 1461, vedando os médicos a qualquer preparação de medicamentos.

Esta cisão obrigou a uma mudança profunda e estimulou a criação de um meio de comunicação entre o médico e o farmacêutico. Este novo meio privilegiava as formas e as proporções das várias substâncias usadas na preparação dos manipulados/medicamentos e eram dispensados, à posteriori, ao utente na cura da doença. Este fluxograma entre profissionais originou o primeiro modelo de prescrição médica.

A constante evolução dos tempos e da ciência permitiu que o modelo da prescrição médica fosse evoluindo e adaptando-se aos tempos. Numa era essencialmente tecnológica, onde a informática avança dia após dia, a prescrição também acompanhou o desenvolvimento, obviando o papel e apostando no documento eletrónico.

Esta mudança de paradigma pressupõe a diminuição de erros na prescrição, dispensa e utilização (ilegibilidade, falta e/ou imprecisão de dados, interações medicamentosas incorretas, erros de posologia, etc.), bem como o aumento da melhoria da qualidade dos serviços prestados.

Em 2011, a prescrição eletrónica tornou-se obrigatória, através da Portaria n.º 198/2011, publicada em Diário da República, prevendo pequenas exceções, como o caso de receitas ao domicílio, inadaptação do prescritor ou falência do sistema eletrónico. Hoje em dia, cerca de 95% das receitas emitidas são-no de forma eletrónica.

A receita eletrónica é um projeto que surge na sequência das orientações da OMS e da OCDE, visando colocar o utente no Centro do Sistema. Isto consegue-se, entre outras formas, disponibilizando aos profissionais médicos instrumentos que lhes permitam aceder à informação integral do utente, sempre e onde esta seja necessária e de forma fiável, permitindo, de forma integrada, que o prescritor tenha acesso, num só local, a um leque alargado de informações no âmbito da prescrição, que hoje em dia se encontram dispersas em sistemas.

A visão única e integrada do utente nos diferentes níveis de cuidados (hospitais do SNS, cuidados de saúde primários e privados) a maior segurança e controlo da prescrição e da dispensa, tanto a nível financeiro como clínico, nomeadamente com a integração das NOC e de mecanismos de controlo de interações medicamentosas e interação doença/medicamento, a uniformização das regras de prescrição e dispensa para a totalidade do universo de prescrição – SNS e privados –, bem como a diminuição dos custos, essencialmente na área da conferência, são alguns dos pontos de maior destaque no que concerne aos benefícios inerentes à implementação da prescrição eletrónica de medicamentos.

Um passo bastante importante e que completa todo o circuito do medicamento é a dispensa eletrónica e subsequente faturação eletrónica. Desta forma, torna-se possível que a prescrição eletrónica percorra todos os intervenientes sem que haja uma materialização física da mesma, ou seja, o prescritor emite uma prescrição médica, a qual fica imediatamente disponível para consulta e dispensa nas farmácias, tendo sempre como veículo de autorização e validação o próprio utente. Este circuito coloca o utente no centro da sua própria saúde.

Todas as condições para esta alteração de paradigma estão a ser ultimadas, tendo já decorrido um projeto-piloto em várias regiões de Portugal cujos resultados foram bastante otimistas. O sucesso deste projeto evolutivo está diretamente relacionado com a colaboração e proatividade de todos os intervenientes no processo – médicos, utentes e farmacêuticos. Enquanto, utente, acredito que todos facilmente identificarão os benefícios e impactos positivos no dia-a-dia e na saúde dos utentes.



Artigo publicado no Jornal do V Congresso ANL
(Associação Nacional de Laboratórios Clínicos)

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