Opinião
«Cancro do endométrio - O que está a mudar?»
Henrique Nabais
Diretor da Unidade de Ginecologia da Fundação Champalimaud
O cancro do endométrio é o 6.º mais frequente nas mulheres e o 15.º mais comum em geral, sendo o cancro ginecológico mais prevalente nos países desenvolvidos. Em 2020, registaram-se em todo o mundo mais de 417 mil novos casos.
A sua incidência e a mortalidade estão a aumentar globalmente. Na última década, por exemplo, no Reino Unido, as mortes aumentaram 25%, uma tendência que também tem sido reportada nos outros países desenvolvidos.
Prevê-se que a taxa de mortalidade por cancro endometrial aumente mais 19% no Reino Unido, entre 2014 e 2035.
Embora o envelhecimento da população tenha contribuído para esta tendência, o aumento no número de casos acompanha a incidência crescente dos vários fatores de risco. A obesidade parece ser o principal fator de risco, embora existam outros também importantes, como a hipertensão, a diabetes mellitus e a síndrome dos ovários poliquísticos.
Cerca de 90% dos carcinomas do endométrio manifestam-se por hemorragia uterina anómala, permitindo, na maioria dos casos, um diagnóstico precoce. O carcinoma do endométrio em estádios iniciais tem um excelente prognóstico, com elevada taxa de cura. Pelo contrário, a doença avançada associa-se, de uma forma geral, a um mau prognóstico.
Esta é uma razão para que os cuidados de saúde e as mulheres estejam atentos a este sintoma inicial que, se valorizado de forma adequada, salva vidas, reduz o sofrimento e poupa recursos.
A abordagem desta patologia ginecológica oncológica foi das que mais evoluiu nos últimos anos. Uma das principais modificações ocorreu na classificação. Embora se tenha mantido a caracterização histológica clássica, foi introduzida a caracterização molecular, inicialmente baseada nos dados do estudo TCGA e, posteriormente, confirmada pela aplicação de um algoritmo diagnóstico baseado no estudo imuno-histoquímico das proteínas p53 e “mismatch repair” (MMR) e na pesquisa de mutações patogénicas no domínio exonuclease do gene POLE.
Esta é uma ferramenta que está a introduzir importantes alterações na conduta terapêutica com impacto prognóstico.
Henrique Nabais
Outra mudança importante ocorreu na cirurgia. Nos últimos anos, a abordagem cirúrgica clássica (laparotomia ou “cirurgia aberta”) tem vindo a ser substituída pela cirurgia minimamente invasiva nos casos de doença limitada ao útero, o que se associa a menor perda de sangue, menor tempo de internamento, menor taxa de complicações intra e pós-operatórias e aumento da qualidade de vida das doentes.
Hoje, é considerado pelas sociedades médicas, nacionais e internacionais, que a utilização desta nova abordagem é um critério de qualidade dos centros que tratam o cancro do endométrio, não sendo defensável, na grande maioria das doentes, uma cirurgia por laparotomia.
A própria cirurgia minimamente invasiva também sofreu uma evolução notável, tendo começado pela laparoscopia clássica e depois evoluído para a laparoscopia roboticamente assistida. Muitos dos centros de referência internacionais efetuam quase exclusivamente a abordagem robótica no tratamento cirúrgico do cancro do endométrio, com vantagens claras para as doentes e para os cuidados de saúde em geral. Em Portugal, este caminho também já está a ser trilhado.
Seguindo a mesma linha de pensamento, menor agressividade cirúrgica e segurança oncológica sobreponível ou superior, é a utilização da biópsia do gânglio sentinela.
Esta já é utilizada por rotina em alguns cancros como no da mama, da vulva e no melanoma. Este conceito baseia-se no facto de, no cancro de um órgão sólido, a disseminação ganglionar ocorrer de forma segmentar e previsível, sendo o gânglio sentinela o primeiro gânglio da rede linfática da drenagem tumoral.
Assume-se que se o gânglio sentinela não tiver doença os restantes também não terão. Tem como objetivos evitar linfadenectomias desnecessárias, reduzindo a morbilidade do procedimento cirúrgico, e, por outro lado, aumentando a taxa de deteção da doença metastática ganglionar, particularmente a de baixo volume e a de localização atípica.
Hoje, a biópsia do gânglio sentinela está recomendada nos centros em que a técnica esteja validada, nos grupos pré-cirúrgicos de baixo risco e de risco intermédio. Nas doentes do grupo pré-cirúrgico de alto risco recomenda-se a linfadenectomia sistemática pélvica bilateral e para-aórtica até ao nível da veia renal esquerda, sendo a biópsia do gânglio sentinela uma alternativa nas doentes de elevado risco e/ou com comorbilidades importantes.
Outra modificação relevante é o recurso cada vez mais frequente à cirurgia de citorredução, com o intuito de remover toda a doença macroscópica, no contexto de casos selecionados de doença avançada ou recorrente.
Também os avanços recentes na compreensão da biologia molecular deste grupo de cancros têm vindo a permitir o desenvolvimento de novas estratégias em termos de quimiometerapia direcionada e personalizada.
São exemplos, a utilização do levatinib (um inibidor do VEGFR2 - vascular endothelial growth factor recetor 2) e da imunoterapia com o pembrolizumab na doença recorrente. Os múltiplos ensaios clínicos que estão hoje a decorrer irão permitir, num futuro próximo, um avanço decisivo na abordagem médica destes cancros.
No contexto atual, a mensagem mais importante é de otimismo, pois, apesar do aumento da taxa de incidência, também temos armas cada vez mais eficientes no seu combate.
Artigo publicado na Women`s Medicine de setembro/dezembro, revista de referência na área da Ginecologia/Obstetrícia e Saúde da Mulher em Portugal.
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