«As Oficinas do Cuidador são um espaço e tempo privilegiados para `olhar por´ quem cuida»

“Olhar por alguém” é expressão ilustrativa da função do cuidador e dominante no nosso léxico quotidiano.

Aqueles a quem incumbe ou que, voluntariamente, optaram por assumir esse papel conhecem a amplidão desse “olhar”:

Antecipar desejos e necessidades; perscrutar silêncios, decifrando-lhes o significado; aconchegar, afugentando tristezas e medos; procurar infatigavelmente o que possa estimular o apetite ou hidratar adequadamente; servir de apoio e refúgio em dias de tratamento mais intenso ou agressivo; estar simplesmente, deixando que o diálogo possa acontecer; ser capaz de tornar os dias diferentes uns dos outros e alimentar a esperança...

Olhar e ver, olhar e adivinhar, olhar e maturar as vivências...

Mesmo que animado por um amor incondicional e um empenho férreo, o cuidador terá inevitavelmente momentos de desalento, sobredosagem de cansaço físico e assoberbamento psicológico e intelectual.

Não se trata de arrependimento ou risco de desistência, na grande maioria dos casos. Na sua génese estão inúmeras noites de sono não (ou mal) conciliado, ansiedade antecipada de situações mais desconfortáveis ou tristes, esquecimento de si e inexistência de pausas salutares em que se reencontre como pessoa e cidadão.

A constatação desta realidade, manifesta ou quiescente, aquando da visita diária da equipa, ou mesmo já presente na abordagem de avaliação de critérios para internamento em casa, tornou indispensável estender ao cuidador a atenção e a disponibilidade de apoio.

Oficinas do Cuidador


Em maio de 2022 realizou-se a primeira das Oficinas do Cuidador no CHVNG/E

É nesta perspetiva que se alicerçam as iniciativas levadas a cabo pelas equipas. Na UHD de Gaia/Espinho ocorreram já duas Oficinas do Cuidador, como espaço e tempo privilegiados para “olhar por” quem cuida, proporcionando a partilha de experiências e dificuldades e a viabilização de soluções.

Mais do que imaginar o que sente, vive e experiencia ou aflige o cuidador, é imperioso escutá-lo, de forma a não suportar sozinho toda a carga física e emocional da sua circunstância/tarefa.

A cronicidade da patologia em causa e/ou mesmo os contornos da situação aguda de doença demandam que o cuidador acione capacidades desconhecidas.

É no reconhecimento dessa possibilidade e na melhoria da sua concretização que as equipas HD devem trabalhar, em prol da segurança e do conforto.

Olga Gonçalves: "Para as equipas HD, os cuidadores capacitados e confortáveis no seu papel garantem uma parceria de cuidados e vigilância ímpar e sustentável"

A certeza de uma execução correta e eficaz, a confirmação de não estar a omitir nenhuma medida preventiva, mas antes a contribuir em cada pequeno gesto para o bem-estar do doente constituem o caminho da pacificação do cuidador, a âncora anímica a cada novo dia.

Para as equipas HD, os cuidadores capacitados e confortáveis no seu papel garantem uma parceria de cuidados e vigilância ímpar e sustentável. Nessa mesma medida, torna-se viável aliar a qualidade do hospital ao conforto de casa.

O alargamento do número de doentes que possam ser internados no domicílio carece também (e ainda!) de um novo entendimento, de uma diferente atitude e do trabalho concreto de toda a comunidade.



O artigo pode ser lido na edição de outubro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Primários, no âmbito de um Especial dedicado à Hospitalização Domiciliária, concebido em parceria com o Núcleo de Estudos de Hospitalização Domiciliária da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.