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Opinião

A pandemia para além da doença: a importância de medidas terapêuticas promotoras de firmeza


Pedro Melo

Especialista em Enfermagem Comunitária. Professor auxiliar convidado do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa



No mês em que se comemora o Dia Internacional do Enfermeiro (12 de maio) e quando a OMS declara 2020 Ano Internacional do Enfermeiro e dos Enfermeiros Obstetras, nasce no Jornal Médico uma rubrica mensal intitulada “Diagnóstico de Enfermagem”.

Medidas terapêuticas promotoras de firmeza

Neste espaço, procurar-se-á contribuir com uma visão do mundo interpretada pelas lentes da Enfermagem. Esta perceção do mundo, própria da Enfermagem enquanto Ciência, permite enquadrar os processos de desenvolvimento de firmeza na vida das pessoas, que são o alvo central dos enfermeiros: as pessoas infirmes.

A infirmeza acompanha-nos em muitos processos. Somos infirmes quando não temos conhecimento suficiente para tomar decisões, quando as nossas crenças não nos promovem caminhos saudáveis, quando estamos em processos de transição (de mudança) nas nossas vidas ou quando precisamos de cuidados quando estamos doentes. Nesse sentido, não é difícil compreender que as pessoas precisam em permanência de cuidados de enfermagem.

Precisam de um profissional que diagnostique e prescreva medidas terapêuticas promotoras de firmeza.

Hoje, vamos olhar para a(s) infirmeza(s) da atualidade. Estamos a passar por uma crise mundial de Saúde Pública. Uma doença designada pela OMS por covid-19, provocada por um vírus que encontrou um contexto favorável para a propagação pelo mundo, o SARS-CoV-2, provocou nos últimos meses repentinos processos de infirmeza em vários domínios da vida das pessoas.

Não vou, nesta reflexão, focar-me na doença, que tem já sido tão bem explorada e aprofundada pelas entidades oficiais. Vamos antes colocar as lentes de enfermeiro, olhar para as pessoas e entender como fazemos o diagnóstico de enfermagem no contexto da pandemia.

Otimizar processos de proteção contra infeções cruzadas 

Vou focar-me em Portugal, pela maior garantia de objetividade deste diagnóstico, considerando a vivência próxima, que permite o apropriar do que seguidamente partilharei.

Começo por um domínio que os enfermeiros identificam como precaução de segurança. Esta está relacionada com os comportamentos das pessoas, que permitiram, no caso da covid-19, otimizar processos de proteção contra infeções cruzadas e, assim, achatar a curva epidemiológica relacionada com a prevalência da doença, a partir da diminuição da sua incidência, impedindo o fenómeno de Burden e garantindo uma resposta adequada do SNS. Este fenómeno colocou Portugal na boca do mundo, pelo bom exemplo que foi para todos os países.
 

Pedro Melo

Para permitir uma precaução de segurança efetiva (conforme indica a CIPE, classificação usada pelos enfermeiros portugueses para fazer os seus diagnósticos), é importante que as pessoas desenvolvam várias dimensões deste diagnóstico: o conhecimento sobre a doença e a sua propagação, sobre as medidas de proteção e os comportamentos adequados; as crenças, nomeadamente, as relacionadas com a suscetibilidade à infeção, que permitem a compreensão da necessidade de adotar as medidas adequadas e os comportamentos de adesão.

Não tendo a possibilidade de garantir uma avaliação efetiva de todos estes domínios, pela forma como os números nos mostraram até aqui um controlo adequado do processo pandémico, só posso, no que respeita a este domínio, e com muita satisfação, formular o diagnóstico de enfermagem de precaução de segurança efetiva na população portuguesa (até então). Uma adesão exímia às medidas de confinamento, uma adesão ao uso das máscaras nos locais devidos e uma demonstração fantástica de um sentido de cidadania.

Uma gestão comunitária efetiva

Depois queria olhar para o fenómeno da gestão comunitária, a forma como cada comunidade gere, no caso da crise pandémica, o envolvimento e a participação dos seus membros e os processos de liderança para conseguir promover o diagnóstico anteriormente analisado.

A precaução de segurança efetiva depende muito de uma gestão comunitária também ela efetiva. Desde as comunidades institucionais (como as estruturas residenciais para idosos, ou as escolas) às comunidades locais (como autarquias ou grupos de vizinhos), houve um sentido coletivo de mobilização para encontrar soluções e os portugueses, na sua maioria, souberam ter um sentido grande de responsabilidade social. Por isso, sobre este domínio, só posso diagnosticar em Portugal uma gestão comunitária efetiva.

Novos desafios se foram colocando, com diagnósticos relacionados com o ambiente onde as pessoas vivem: O económico, com o desemprego e o rendimento familiar insuficiente em muitas famílias; O psicossocial, como a solidão, a tristeza, a angústia e a incerteza, potenciadoras de uma esperança comprometida.

Estes cenários, considerando o futuro, podem fragilizar os processos de adesão, que tão bem foram conseguidos para manter a precaução de segurança efetiva.



Assim, num sentido de conclusão reflexiva, fica o apelo à necessidade dos cuidados de enfermagem às pessoas:

- Dos enfermeiros de Saúde Familiar, para acompanhar os desafios das pessoas em proximidade;
- dos enfermeiros de Saúde Comunitária e de Saúde Pública, para acompanhar as comunidades, de forma a promover a continuidade da sua efetiva gestão comunitária, assim como a vigilância epidemiológica, não apenas da doença, mas dos processos de infirmeza, além dela;
- dos enfermeiros de Saúde Mental para acompanhar os desafios psicossociais;
- dos enfermeiros de Saúde Infantil para acompanhar a vivência das crianças, jovens e pais sobre estes processos;
- dos enfermeiros de Saúde Materna, para garantir a segurança das grávidas e dos recém-nascidos,
- e dos enfermeiros de Médico-Cirúrgica e enfermeiros de Reabilitação, para acompanhar, como até aqui, o tratamento adequado dos doentes, mantendo a sua firmeza nas diferentes dimensões da sua vida.
- Também os enfermeiros de Cuidados Gerais são precisos, em permanência e continuidade, em todos os contextos de cuidados de saúde.

O futuro vislumbra às pessoas, com o meu sentido de convicção, uma certeza de transformação, de superação e de sucesso tão maior quanto mais firme puder ser e, para essa firmeza multidimensional ser garantida, podem continuar a contar com os seus enfermeiros e a força que trazem às equipas multidisciplinares com que trabalham.



Artigo publicado na edição de maio do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários.

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