A menopausa e a abordagem holística do sexólogo, «numa perspetiva biopsicossocial»


Susana Renca

Psiquiatra, Consulta de Sexologia, ULS de Coimbra



Uma parte significativa da vida da mulher vai ser vivida em menopausa. E, embora cada uma vá experienciar a menopausa de forma única, esta constitui um marco nas suas vidas, exigindo um período de adaptação, seja pelas alterações físicas e psicológicas, seja pela redefinição do seu papel na sociedade e na família, e ao nível da própria intimidade e sexualidade.

As alterações hormonais inerentes têm impacto em vários órgãos, como a vulva e a vagina, no osso, pele, mas também no coração e no cérebro, traduzindo-se em mudanças que podem impactar de diversas formas a vivência da sexualidade da mulher na menopausa.

A deficiência de estrogénios está associada ao aparecimento de sintomas vasomotores, a secura vulvovaginal, suores noturnos mas igualmente a alterações de humor (como depressão e irritabilidade), ansiedade, perturbações do sono e queixas cognitivas (atenção e memória). Com a diminuição do estrogénio circulante, também pode ocorrer flacidez, que pode levar a incontinência urinária/fecal, prolapsos e dispareunia.

Por sua vez, a diminuição dos níveis de androgénios pode condicionar um impacto negativo na resposta sexual, com diminuição do desejo e interesse sexual, e do bem-estar geral e qualidade de vida.

Importa integrar todos estes aspetos no contexto único de cada mulher, da sua vida pessoal, familiar e laboral, compreendendo igualmente as suas expectativas, receios e esclarecendo dúvidas, promovendo uma melhor adaptação e respondendo às suas necessidades.


Susana Renca

A abordagem deve ser holística, numa perspetiva biopsicossocial. Assim, devem igualmente ser avaliados outros fatores, como a existência de doenças crónicas, os medicamentos e restantes tratamentos que, direta e indiretamente, podem afetar a resposta sexual.

E considerar aspetos psicológicos que podem assumir um papel primordial na sexualidade da mulher que se encontra em menopausa, como a relação com o corpo, dificuldades sexuais anteriores, relacionamentos, investimento erótico na relação, proximidade física e emocional com o parceiro(a) e a comunicação.

Questões familiares, culturais, religiosas, sociais e económicas são também incontornáveis de considerar na abordagem das dificuldades e disfunções sexuais na menopausa. As próprias atitudes e crenças relativas à menopausa, ao envelhecimento e à sexualidade constituem aspetos importantes a clarificar.

A sexualidade feminina parece ser mais afetada pelo stress e por problemas contextuais, satisfação com a vida e relação, sexualidade prévia, estado mental e a presença ou não de companheiro(a) do que pelas hormonas. Assim, quando abordamos a sexualidade da mulher na menopausa temos que ir muito além das mudanças hormonais.

Importa ajudar no reconhecimento e aceitação da inevitabilidade da mudança, sobretudo do corpo, integrar que algumas funções podem estar comprometidas, e ter em mente que a atividade sexual não se esgota no coito, sendo possíveis outras formas de vivência da sexualidade. Mas não devemos impor uma sexualidade ativa. Cada mulher tem a sua história e é livre de viver plenamente a sua sexualidade como o desejar.

Olhamos hoje por um prisma diferente para a sexualidade na menopausa, não como um conjunto de perdas que representa o fim, mas que pode antes ser vivenciada
como uma libertação de preocupações e um conjunto de oportunidades de descoberta de novas formas de prazer sexual aliado à maturidade, experiências e maior conhecimento.

Este período traz também um convite a que cada mulher se recrie nas suas diferentes dimensões e papéis e se cumpra enquanto pessoa.


O artigo pode ser lido no Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Integrados de junho de 2024, no âmbito de um Especial dedicado à menopausa.

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