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Clínica de Insuficiência Cardíaca: reduzir internamentos em Cascais com projeto multidisciplinar

A funcionar há menos de um ano, a Clínica de Insuficiência Cardíaca do Hospital de Cascais já acompanha mais de uma centena de doentes. Com uma abordagem multidisciplinar de cada situação, agrega especialidades como a Medicina Interna, a Pneumologia, a Psiquiatria ou a Medicina Física e de Reabilitação.

“Na insuficiência cardíaca está praticamente tudo por fazer, tem sido uma área menor da Cardiologia, muito esquecida por todos, com um peso económico brutal, mas onde podemos fazer a diferença.” Esta foi uma razão forte que levou Gonçalo Proença, 49 anos, coordenador da Unidade de Cardiologia do Hospital de Cascais, a propor à sua administração o projeto de criação da Clínica de Insuficiência Cardíaca (CIC).


Gonçalo Proença

Aprovada a ideia, o cardiologista começou a trabalhar com a Direção Clínica e a Medicina Interna, um percurso que, recorda, “levou o seu tempo”, até porque “foi preciso esperar para que as pessoas certas estivessem disponíveis”. Finalmente, em 2018, estavam reunidas as condições para avançar com o projeto.

O perfil que definiu para os elementos da sua equipa era claro – “pessoas jovens, empenhadas e com espírito empreendedor”, características partilhadas pelas três médicas que o acompanham neste projeto: Carla Matias, 42 anos, assistente graduada de Cardiologia; Marta Nogueira, 35, assistente de Cardiologia; Fernanda Costa Ferreira, 42, cardiologista no Brasil e que trabalha de forma tutelada com o Hospital de Cascais.

Gonçalo Proença foi identificando os doentes com IC, com base na sua lista e na de Carla Matias. “Quando a consulta arrancou, eles eram exclusivamente acompanhados por nós, agora já não”, o que significa que se “abriram todas as vias de referenciação: do centro de saúde, do resto do hospital e das urgências”, explica.

E é aqui que começa o princípio de multidisciplinaridade deste projeto. “Há muita proximidade com os colegas da Medicina Interna e da Medicina Geral e Familiar”, que considera os seus “pontas-de-lança”. Isto porque “os doentes com IC estão em todo o lado” e a dimensão atual da equipa de Cardiologia de que dispõe, “não dá para ambicionar chegar a todo o lado”.



A sua preocupação é “conseguir um tratamento de excelência, algo só ambicionável com uma prática diária de cumprimento de guidelines, protocolos e checklists/crosschecks que se apliquem em todo o hospital”.

Ou seja, independentemente de o utente ser visto na consulta da CIC, no Serviço de Urgência ou de estar no Serviço de Medicina Interna, “o importante é assegurar o mesmo nível de tratamento, com o mesmo grau de vontade e de compromisso”, afiança Gonçalo Proença.



Cada vez mais casos de IC em Cascais

O crescimento do número de doentes com IC é notório em Cascais. “Nós somos uma estrutura pequena, comparada com a de outros hospitais, mas só entre janeiro e agosto de 2018 tivemos, em doentes internados, mais de mil diagnósticos, principais e secundários, de IC. É um diagnóstico muito prevalente”, comenta Gonçalo Proença.

Marta Nogueira, responsável operacional da CIC, traça-nos o panorama: “O cenário é recorrente: o doente apresenta uma condição grave, não possui médico de família, só tem consulta hospitalar daí a largos meses e, não tendo resposta, o que faz? Dirige-se ao Serviço de Urgência.”

“A importância da CIC”, sublinha, “é o contacto de proximidade e a facilitação do acesso a um sistema de saúde antes de o doente recorrer ao SU”. A cardiologista refere ainda que “o problema do SNS, de um modo geral, é registar uma grande afluência às urgências”, sendo certo que haverá situações passíveis de serem resolvidas ambulatoriamente, se as pessoas tiverem uma porta aberta que o permita”.


Fernanda Costa Ferreira, Marta Nogueira, Gonçalo Proença e Carla Matias

Para além disso, a médica realça que “não existe uma verdadeira consciência, global, da opinião pública, em relação a este problema”.

Uma vez que “as pessoas não estão tão sensibilizadas como deviam”, a questão é que “não são mobilizados os recursos necessários para resolver, na sua plenitude, um problema que é diário”, aponta Marta Nogueira.

Ao contrário do que se possa pensar, esta patologia “não só afeta pessoas com idade avançada como também alguns jovens”. A cardiologista defende que “se deve tratar cada vez mais cedo, tentar prevenir a evolução para estádios mais avançados de IC”.

Fernanda Costa Ferreira diz que no Brasil, onde acompanhou bastantes doentes com IC, “eles são muito mais jovens e com doenças valvulares”. Com experiência em várias áreas da Cardiologia, tratou muitos casos de IC avançada, em fase de pré-transplante, e viu muitos casos de sucesso.

Já Carla Matias, que está no Hospital de Cascais desde 2012, enfatiza que “os doentes mais fáceis de tratar, e com melhores resultados, são os que têm a família envolvida no processo”. Até porque “são polimedicados, com vários horários de toma, exames para fazer, consultas para ir, alguns são muito idosos e torna-se difícil gerir tudo isto sem o apoio da família”.

No seu entender, o envolvimento familiar e a existência da CIC, com o contributo de uma extensa equipa, “pode fazer toda a diferença para este tipo de doentes”.



A importância do ensino

Apesar de a CIC não ser uma entidade física, mas uma designação funcional, é bem mais do que uma simples consulta de IC. Marta Nogueira diz que Gonçalo Proença “importou o modelo de Heart Failure Clinic, com uma abordagem mais complexa e abrangente do indivíduo e dos seus cuidadores no contexto da síndrome”.

Assim, o doente começa com uma avaliação inicial, feita numa consulta de enfermagem, onde se identifica “o estilo e a qualidade de vida diária, uma história dos antecedentes, com avaliação de perímetros, parâmetros vitais e observação direta”, elucida Lídia Fandinga, 49 anos, coordenadora da enfermagem.

A este despiste da situação dos pacientes sucede-se uma componente de ensino, ou seja, alerta-se para “a importância da alimentação, os cuidados a ter, os sinais de alerta que devem ser considerados e uma ação precoce para evitar a procura do SU”.


Lidia Fandinga, Liliana Cruz e Lurdes Monica

Este ensino comportamental reparte-se, portanto, entre “o conhecimento do próprio doente e o conhecimento da doença”. E são precisamente “as atuações mais vincadas dos doentes” que exigem “uma intervenção muito meticulosa por parte da enfermagem”, preconiza.

Perante qualquer dúvida que o utente ou a família tenha, as enfermeiras estão contactáveis. Tendo acesso ao processo clínico no momento e conhecendo de antemão os pacientes, acabam por dar uma consulta de enfermagem telefónica.

“Temos pessoas a ligar diariamente. Porque não se sentem bem, ficaram cansadas ou têm dúvidas quanto ao tratamento”, refere Lídia Fandinga.

Quando é necessária uma opinião médica, Marta Nogueira é quem habitualmente apoia a enfermagem para “efetuar ajustes no esquema posológico e na terapêutica diurética” e, caso a cardiologista considere necessário, os doentes são chamados ao Hospital de Dia, para fazer terapêutica endovenosa.



"Um objetivo é evitar os reinternamentos"

A coordenar o maior Serviço do Hospital de Cascais, a Medicina Interna, e a garantir a proximidade com a Cardiologia, está Ana Teresa Boquinhas, 43 anos, que confirma: “Temos uma ligação muito estreita com a equipa, que nos dá apoio na abordagem aos doentes com IC.”

“Muitas vezes, somos nós que os recebemos na Urgência, é connosco que eles ficam internados, mas procuramos coordenar depois as coisas com a Cardiologia, de forma a conseguirmos um acompanhamento mais próximo de cada situação”, afirma a internista.


Ana Teresa Boquinhas

No fundo, “o objetivo é agarrar estes doentes, que entram muitas vezes num loop de internamentos, e orientá-los o melhor possível, evitando os reinternamentos, que estão diretamente ligados à taxa de mortalidade”.

"É um projeto centrado no doente e não na doença"

Diretora clínica do Hospital de Cascais há uns quatro anos, Eduarda Reis valoriza o facto de a Clínica de Insuficiência Cardíaca ser “um projeto centrado no doente e não na doença”, com a pretensão de “ter alguém de referência para o paciente e apoiá-lo 24 horas por dia”. Mais, acredita que a própria “medicina moderna tem de se centrar cada vez mais no doente”.


Eduarda Reis

Remetendo-se ao papel de “elemento agregador de uma equipa francamente multidisciplinar”, a neonatologista de 53 anos afirma que “estão todos muito empenhados em que as coisas corram pelo melhor para o doente”, algo só possível com “ótimos profissionais e, sobretudo, boas pessoas”, algo indissociável para a diretora clínica.

Ao mentor do projeto, Gonçalo Proença, só atribui elogios, sublinhando que “basta escutar e apoiar”, que “ele leva as coisas para a frente”. Apesar de admitir que o projeto da CIC dá grande visibilidade à Unidade de Cardiologia, garante que “a grande preocupação do hospital e da equipa” é dar “um grande protagonismo aos utentes portadores de uma doença cardíaca tão grave como a IC”.



A reportagem completa sobre a Clínica de Insuficiência Cardíaca, onde são entrevistados outros profissionais de diferentes áreas, pode ser lida no Hospital Público de maio/junho de 2019.

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