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Apneia do sono: ventiladores prescritos no privado sem comparticipação. «É um calvário para o utente»

"A apneia do sono é a principal causa de vinda às nossas Consultas de Pneumologia", afirma Sofia Tello Furtado, diretora do Serviço de Pneumologia do Hospital da Luz Lisboa, em declarações à Just News.

Um problema de saúde que "é uma epidemia, vai continuar a crescer, até pela sua associação à obesidade, e que requer uma intervenção multidisciplinar", adverte a especialista, a propósito do Dia Mundial do Sono, que foi assinalado esta sexta-feira.

De acordo com a médica, a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) não é ainda devidamente valorizada pela população, mas também por vários profissionais de saúde, apesar de reconhecer que "tem havido uma crescente sensibilidade e conhecimento sobre esta área". 


Sofia Tello Furtado 

"Não é um sono reparador"


As complicações desta doença têm duas vertentes: "Desde logo, na qualidade de vida, pois o doente dorme mal. O sono é a nossa atividade reparadora de excelência. Se o sono não exerce a sua função de reparação, temos repercussão no dia-a-dia: maior cansaço, maior sonolência e depois menor eficácia profissional, até memo nos estudantes, menos memória, menos concentração."

E se o doente conseguir dormir 8 horas? "Acontece que não é um sono reparador", esclarece Sofia Tello Furtado. Assim, irá causar "maior irritabilidade. Pode até trazer algumas alterações a nível social, já que as pessoas estão cansadas e não querem ter propriamente grande interação social". Na verdade, a situação pode até ter um maior impacto: "Temos muitos doentes que estão à conversa e adormecem num almoço, num jantar. Isso pode acontecer."

Outra consequência bem mais grave são os acidentes de viação. "Há estudos que indicam que a apneia do sono pode ser a principal causa de acidentes de viação, sobrepondo-se ao álcool e à velocidade, como causa de acidentes de viação. E são geralmente acidentes de maior gravidade", salienta a médica.

Por outro lado, "a SAOS aumenta o risco de ter um AVC, uma arritmia, nomeadamente nocturna, ou ter um enfarte." 

"É um calvário para o doente"


Assim, precisamente pela gravidade e impacto da apneia do sono, "uma verdadeira epidemia", Sofia Tello Furtado chama a atenção para um problema que se mantém ao longo dos anos e que afeta os doentes que recorrem às unidades privadas de saúde: a não comparticipação dos utentes que necessitam de ventilador, conforme explica:

"Nós prescrevemos o ventilador. Temos idoneidade para o fazer. Depois o doente tem de ir ao médico de família, que tem de pedir a um hospital público uma primeira consulta para fazer a prescrição do exame passado por médicos idóneos. Passa-se a receita e a partir daí é o médico de família que renova a receita... Tenho doentes que estão a aguardar consulta para 2025!"

O que muitas vezes acontece, explica a médica, é que o desespero do doente leva-o a pagar o tratamento do seu bolso, "mas nem todos têm essa possibilidade, pois são tratamentos onde se paga uma mensalidade e acabam por ser dispendiosos".

Ou seja, "causa-se uma entropia e um gasto de consultas desnecessárias, quer do médico de família, quer no hospital público, que já tem uma carga enorme. Cria-se uma lista de espera gigantesca e gastam-se consultas com doentes que não precisavam, que só vão lá para ir buscar uma receita."

A pneumologista conhece bem esta realidade, pois já desenvolveu atividade durante anos num hospital público: "Fazíamos um enorme trabalho burocrático de prescrição de consultas, inviabilizando estar a ver doentes que de facto precisávamos que os víssemos. E acabávamos por estar a validar o trabalho de um colega, o que não faz sentido."



"Queremos trabalhar em complementariedade"

Sofia Tello Furtado salienta que esta não é uma situação de agora: "Já fizemos um apelo à anterior ministra da Saúde. Pedi a colaboração até dos meus colegas dos Lusíadas, da Trofa e da CUF, que se juntaram a mim numa carta aberta... mas não obtivemos resposta."

E acrescenta: "Nós queremos trabalhar em complementariedade, para isso temos de garantir qualidade. Isso está feito. Não queremos aqui criar mais um processo de entropia para o doente."

A médica sublinha ainda que, "muitas vezes, temos doentes mais velhos, com comorbilidades, obesos, com dificuldades de mobilização, para quem todo este calvário, todo este périplo, é ainda especialmente penoso".

Reconhece ser importante que "haja algum regra na prescrição, pois são tratamentos caros, que custam caro ao Estado e, portanto, têm de haver regras". Contudo, nesse caso, sublinha Sofia Tello Furtado, "que se estabeleçam critérios sobre quem pode prescrever. Porque eu posso prescrever num hospital privado um antibiótico pelo SNS, com o cartão de doente do utente. Não posso é prescrever um ventiloterapia por pressão positiva contínua (CPAP). Faço isto desde que era interna. Não sou idónea para prescrever um CPAP, o que é estranho."

Na sua opinião, a conclusão a tirar é evidente: "Acho que estamos a falhar na ajuda ao doente e na ajuda a quem trabalha no SNS e que está de facto em esforço."


"Apneia obstrutiva do sono para além da Pneumologia"

Com o propósito precisamente de "sensibilizar para as múltiplas implicações e impacto da Apneia Obstrutiva do Sono", o Serviço de Pneumologia do Hospital da Luz Lisboa decidiu organizar um evento no Dia Mundial do Sono, assinalado a 17 de março.

A iniciativa fica marcada pelo facto de ter reunido uma dúzia de especialidades, não apenas enquanto participantes na reunião. "Queríamos que fossem eles a  apresentar a sua experiência e perspetivas e tivemos o benefício enorme que foi de contar com a colaboração de todos aqueles a quem solicitámos a intervenção", explica Sofia Tello Furtado. 

O motivo para estas jornadas multidisciplinares é claro: "A abordagem da apneia obstrutiva do sono requer uma intervenção que queremos que seja o mais alargada possível."

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