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«A terapêutica da hipertensão nos muito idosos deve ser feita de forma específica»

As mais recentes guidelines da Sociedade Europeia de Hipertensão vão dominar uma das sessões da edição de 2024 das Jornadas Multidisciplinares de MGF, que se realizam agora em março. Manuel Viana, um dos copresidentes do evento, destaca, nesta entrevista, a novidade de essas orientações abordarem a hipertensão no idoso de acordo com os seus níveis de fragilidade e de capacidade funcional.

Há muito tempo que Manuel Viana, 65 anos, médico de família na USF São João do Porto (ULS de Santo António), e que é atualmente também secretário adjunto da Direção da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, tem uma certeza: “A abordagem diagnóstica e terapêutica da hipertensão arterial nas pessoas muito idosas, com 80 ou mais anos, e frágeis deve ser feita de uma forma específica.”

Lembrando ser o segmento da população com o maior crescimento nas próximas quatro décadas, logo sublinha que a incidência e a prevalência de comorbilidades, da fragilidade e da perda de autonomia aumenta muito a partir, precisamente, dos 80 anos.

Manuel Viana: “Deve ser um objetivo primordial das intervenções terapêuticas nos idosos preservar as suas capacidades físicas e cognitivas”

"As quedas são tão graves como as doenças cardiovasculares"

“A associação entre a tensão arterial (TA) e o risco cardiovascular mantém-se, em geral, até à idade avançada, mas perde-se ou até se inverte nos idosos frágeis. Nestes, a existência de comorbilidades, como as de ordem cardiovascular ou neurológica, bem como a perda de peso, a desidratação e a polifarmácia levam, eventualmente, à progressiva diminuição da TA, podendo, nestes doentes, a TA elevada tornar-se um marcador de boa saúde”, frisa Manuel Viana, prosseguindo:

“As alterações estruturais e funcionais da parede arterial e do endotélio fazem diminuir as suas propriedades elásticas, causando, necessariamente, uma progressiva rigidez arterial, com desregulação da homeostasia da TA e consequente aumento da sua variabilidade. A hipotensão ortostática é a expressão mais comum desta variabilidade e fator de risco de quedas, morbilidade e mortalidade cardiovascular e total.”

A propósito das “tão temidas quedas”, que acabam por ser consideradas uma das principais síndromes geriátricas, com “consequências nefastas”, tais como fraturas (por exemplo, da anca) e traumatismos cranianos, o médico releva a gravidade das mesmas:

“Em termos de mortalidade e de perda de funcionalidade, essas consequências são tão graves como as doenças cardiovasculares, para a prevenção das quais se receitam os anti-hipertensores.”

Manuel Viana defende que “deve ser um objetivo primordial das intervenções terapêuticas nos idosos preservar as suas capacidades físicas e cognitivas, na medida em que estas são importantes na manutenção da autonomia, da funcionalidade e da qualidade de vida”.

E afirma que, neste domínio, o efeito do tratamento da hipertensão foi pouco estudado, sendo que “os doentes muito idosos e mais frágeis estão sub-representados ou foram mesmo excluídos dos ensaios clínicos”.

Considera-se, assim, a síndrome de fragilidade “uma variável modificadora do impacto da TA sobre a morbimortalidade cardiovascular e total” e a idade biológica (e não a cronológica) ou a existência de fragilidade “critérios importantes para as decisões terapêuticas”.

Reavaliar frequentemente a prescrição de medicamentos

As guidelines da European Society of Hypertension (ESH) apresentadas em 2023 trazem como novidade uma abordagem da HTA no idoso de acordo com os seus níveis de fragilidade e de capacidade funcional, dividindo-os em dois grupos: os que têm entre 65 e 79 anos e os que têm uma idade igual ou superior a 80 anos.

“A maioria dos doentes do grupo 65-79 anos tem um estado funcional preservado e baixo nível de fragilidade, enquanto os do grupo ≥ 80 anos apresentam uma grande heterogeneidade funcional, com uma percentagem substancial de indivíduos muito frágeis e dependentes”, explica Manuel 

“Por conseguinte, preconiza-se uma avaliação inicial da funcionalidade e do nível de fragilidade com métodos rápidos e simples e que deve ser repetida quando necessário, uma vez que a saúde nesta população pode deteriorar-se rapidamente”, alerta o médico de família. (Ver Tabela 1, em que essa avaliação é apresentada de forma resumida.)


“Nos doentes com comorbilidades múltiplas, demência severa, várias síndromes geriátricas ou dependência nas suas atividades diárias, o tratamento deve ser reavaliado, considerando a expectativa de vida e tendo como objetivo preservar o alívio dos sintomas e a qualidade de vida”, diz Manuel Viana.

Para além de que a prescrição de medicamentos “deve ser frequentemente reavaliada, para hierarquização de prioridades e otimização, considerando eventual desprescrição. E como o risco iatrogénico é muito elevado, deve-se privilegiar um trabalho de equipa, envolvendo os vários profissionais de saúde e os cuidadores."

 


Guidelines hipertensão 2023 – Highlights para a prática clínica

Manuel Viana vai ser o moderador da sessão patrocinada pela Tecnimede e que terá lugar a meio da manhã do primeiro dia das VI Jornadas Multidisciplinares de MGF, que decorrem entre 21 e 23 de março, no Sheraton Porto.

O painel de palestrantes é constituído pelo especialista de Medicina Interna Jorge Polónia, professor catedrático da FMUP e internista do Hospital Pedro Hispano (ULS de Matosinhos); Rosa de Pinho, especialista de MGF, coordenadora da USF Vale do Vouga (ULS Entre Douro e Vouga) e atual presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão; e ainda Paulo Pessanha, médico de família da USF São João do Porto (ULS de Santo António).

 


Jornadas de sucesso para médicos de família 

A primeira edição das Jornadas Multidisciplinares de MGF aconteceu em 2019 e foi logo um êxito, resistindo da melhor forma à pandemia de covid-19, que se manifestaria com toda a sua força precisamente em março de 2020, o mês de origem do evento e a que este regressaria em 2023, depois de ter “passado” por setembro (2021) e por maio (2022).

À frente do projeto têm estado três médicos de família do Porto, que o imaginaram, o concretizaram e lhe têm dado continuidade: Rui Costa, Paulo Pessanha e Manuel Viana. O palco das Jornadas continua a ser o Sheraton Porto, com um programa de dois dias inteiros e ainda uma manhã de sábado preenchida com vários cursos.


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