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«A necessidade de camas para internamento de agudos aumentou de maneira abismal»

Desde 2016 à frente daquele que é, sem margem para dúvidas, o maior Serviço de Medicina Interna do país, o seu diretor esclarece que o número de doentes internados anualmente em enfermaria tem vindo a aumentar consideravelmente – mais 486 doentes saídos no 1.º trimestre de 2023, comparando com período homólogo de 2022.

Para Jorge Almeida, diretor do Serviço de Medicina Interna do Centro hospitalar Universitário de São João, a grande pressão a que o SNS tem estado sujeito “não tem que ver com a estrutura, mas sim com os profissionais”, considerando mesmo que “a resiliência não é a mesma de outros tempos, tendo-se alterado notoriamente a sua capacidade e tolerância de esforço”. Atribui grande responsabilidade à pandemia de covid-19:

“No meu Serviço nem se nota tanto isso, mas aquele confronto com o desconhecido, com a precaridade constante, mudou as pessoas, levando-as a questionar e a priorizar os seus objetivos de vida.”


Jorge Almeida

Admitindo ter hoje na sua equipa mais médicos do que há meia dúzia de anos, o facto é que “a resposta que temos de garantir a nível assistencial não é a mesma”, para tal contribuindo, por exemplo, a assunção de outras funções e o redimensionamento dos objetivos estratégicos.

Paralelamente, a alteração de condições laborais, de que é exemplo a questão do descanso compensatório para os médicos mais novos, “que lhes retira, em média, umas 9 horas semanais ao seu horário”, independentemente da sua justeza, abalou a organização do trabalho dos serviços. Relativamente aos outros profissionais, “a alteração das 40 para as 35 horas semanais criou um vazio que não foi inteiramente compensado.

Jorge Almeida está convencido de que a situação atual do SNS só se modificará com medidas que passam, por exemplo, por “uma alteração do papel dos médicos de família no panorama da Saúde, permitindo-lhes focarem-se na atividade assistencial”.

Mas também aumentando a dotação financeira do SNS, de forma a permitir, nomeadamente no caso dos médicos, “uma remuneração adequada – porque, na realidade, estão mal remunerados –, que facilite, a par de outras medidas, igualmente importantes, de satisfação profissional, o reforço de clínicos através do regresso e da contratação de especialistas exteriores ao sistema”.

Quando o nosso entrevistado entrou para o quadro de pessoal do então Hospital de São João, em 1996, a Medicina Interna estava repartida por quatro serviços, que teriam, no seu conjunto, cerca de 400 camas em enfermaria. Jorge Almeida assistiu à sua reorganização em dois serviços (2001) e à posterior unificação (2006) mas também foi testemunhando a redução anual do número de internamentos, “até porque os hospitais à nossa volta iam proliferando, crescendo e diversificando a oferta”.

"As doenças crónicas não são controladas"

Ao declínio de doentes para internar correspondeu, claro, uma redução lógica do total de camas disponíveis. Mas, contas feitas por alto, desde há uns 8 anos que a situação se inverteu, sendo certo que, pelo menos desde que assumiu a direção do Serviço, em meados de março de 2016, “o número de internamentos em enfermaria tem vindo a aumentar consideravelmente”.

“Na altura da pandemia mantivemos os mesmos números, não houve qualquer alteração, mas em 2022 já tivemos quase mais 300 doentes em enfermaria relativamente ao ano transato. E só nos primeiros três meses de 2023, comparativamente com igual período do ano passado, contabilizámos mais 480 internamentos, em comparação com o período homólogo de 2022”, sublinha.
 
Será que a população aumentou? “Não, ela está é mais velha e com comorbilidade relevante, os subsistemas não funcionam, o dinheiro não existe, as doenças crónicas não são controladas. De um momento para o outro, a nossa necessidade de camas para doentes agudos aumentou de uma maneira abismal, como, aliás, no resto do país e na Europa, havendo vários fatores que contribuem para tal.”



“A nossa Urgência interna é única"

O posicionamento do Serviço dentro do CHUSJ, nomeadamente no que respeita às parcerias que começaram a concretizar-se com um número crescente de outras especialidades, entusiasma o nosso entrevistado.


Mesmo com “a alteração, “não prevista e absolutamente impactante”, ocorrida em junho de 2022, quando a Medicina Interna se torna responsável por assegurar, em cinco das oito equipas da Urgência, o setor do SU responsável pelos cuidados ministrados a doentes graves e complexos. Isto na sequência, segundo Jorge Almeida, da “falência total do modelo de SU vigente até essa data”. 

Adicionalmente, “a nossa Urgência interna é única, pois, tem uma dimensão importante no que respeita ao consumo de recursos humanos”, sem esquecer as exigências colocadas por se manterem a funcionar 24 sobre 24 horas as duas unidades de Cuidados Intermédios do Serviço de Medicina Interna, a UCIM e a Unidade de AVC.

"Hoje em dia, o internista é um especialista raríssimo e disputado”

A situação até seria pacífica se não se desse o caso – e o diretor da MI tem as contas feitas! – de o Serviço apresentar “um défice de mais de duas dezenas de médicos”, que é um número significativo quando se sabe que a estrutura tem disponíveis no seu quadro cerca de 60 assistentes hospitalares.

É claro que essa disponibilidade é muito relativa porque, por exemplo, “neste momento, seis estão em licença de maternidade e só deverão voltar daqui a um ano, e pode verificar-se sempre a saída não prevista de mais profissionais para outros projetos!”

Jorge Almeida faz questão de frisar que “podia e havia necessidade de contratar mais médicos, atendendo à missão e compromissos recentemente assumidos pelo Serviço em várias áreas, mas, hoje em dia, o internista é um especialista raríssimo e disputado”.

Para além de que, como refere, “não vou captá-los a outros hospitais porque entendo que o sistema não se pode dotar e subsistir à conta de si próprio, enfraquecendo outras instituições da rede”.




A entrevista completa poderá ser lida no próximo Hospital Público.

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