A Medicina Interna «entrou na sua maior crise desde os anos 70»

O internista António Martins Baptista considera que, ultrapassada a pandemia, a Medicina Interna enfrenta uma crise sem paralelo nos últimos 50 anos. O diretor do Serviço de MI da ULS de Santa Maria arrisca mesmo afirmar que “o espetro da extinção” desta especialidade “está em cima da mesa”.

Ao intervir na sessão de abertura das 1.as Jornadas de Medicina Interna da ULS de Santa Maria, realizadas em abril, António Martins Baptista, que presidiu ao evento, apelou à “ajuda do Governo” no sentido de ser criada “uma discriminação positiva da nossa especialidade”.



No seu entender, a MI atravessa “a sua maior crise desde os anos 70”, depois do papel que desempenhou, durante a pandemia, em “manter tão baixa a mortalidade covid”, graças à “plasticidade desta especialidade, que permitiu a expansão em harmónio das enfermarias e das unidades de Cuidados Intensivos”.

“Convencemos os privados de que tudo é mais fácil na gestão hospitalar quando há muita MI e eles levaram-nos uma geração inteira de internistas”, afirmou. Paralelamente, “os tais países do norte da Europa que acabaram com a MI oferecem aos nossos internistas valores dez vezes superiores ao que ganham cá, e alguns não resistem”. Para além de que “continuamos a ter uma sobrecarga de trabalho na enfermaria e na urgência sem paralelo”.


António Martins Baptista

“Se as declarações de que somos essenciais forem sinceras, necessitamos de um sinal rápido de discriminação positiva por parte da tutela”, insistiu. Ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), o médico assumiu a direção do Serviço de MI da ULS de Santa Maria em setembro último, quatro meses depois da unificação dos antigos três serviços da instituição, dois no Hospital de Santa Maria e o terceiro no Pulido Valente.

António Martins Baptista quis também deixar bem claro que “partir a MI em especialidades sem fim vai restringindo a nossa ação cada vez mais e minando a nossa atractibilidade”, acrescentando: “Áreas como a urgência e o doente agudo, a hospitalização domiciliária, os cuidados paliativos, a geriatria ou a cogestão cirúrgica deverão seguir modelos de diferenciação dentro da MI, em vez da separação inexorável e definitiva, com a criação de novas especialidades.”


António Martins Baptista, Rui Tato Marinho, Carlos Cortes, Carlos das Neves Martins, João Eurico da Fonseca e António Pais de Lacerda

“A Ordem dos Médicos está preocupada com a MI”


O bastonário da Ordem dos Médicos foi convidado para estar presente na cerimónia de abertura das 1.as Jornadas de Medicina Interna da ULS de Santa Maria, tendo feito questão em dizer que “o papel da MI no Sistema de Saúde português também é uma preocupação da OM”.

Referindo haver, neste momento, algumas especialidades “a atravessar momentos particularmente difíceis”, admitiu estar a MI incluída nesse grupo, destacando também a Saúde Pública e a Medicina Geral e Familiar. Carlos Cortes referiu ainda ter a Ordem criado muito recentemente uma comissão de acompanhamento para a valorização da MI, com a participação do Colégio da Especialidade de MI e da SPMI. “Pedimos a colaboração de todos os internistas e temos estado a receber dezenas, para não dizer centenas, de contributos”, afirmou.


António Martins Baptista com António Pais de Lacerda, presidente executivo das Jornadas

“Nestes últimos anos, visitei praticamente todos os hospitais do SNS e confesso que não gostei do que vi relativamente à MI. Eu não queria usar palavras desadequadas, mas muitas vezes sinto que o internista serve para ‘tapar buracos’. Ora, a MI é uma especialidade absolutamente fundamental, não concebo mesmo que haja algum hospital sem a presença de internistas”, comentou Carlos Cortes.



João Eurico da Fonseca, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, também marcou presença na abertura das Jornadas, não deixando de sublinhar, desde logo, a “importância enorme que a MI tem para a educação médica pré e pós-graduada”. E mais: “A Faculdade deve fazer tudo o que puder para o desenvolvimento da MI, para garantir que os internos e especialistas se sintam bem e atraídos para continuar neste campus.”

O responsável salientou que, no âmbito do protocolo de colaboração existente com a ULS de Santa Maria, a FMUL quer “passar a oferecer formação diferenciada de acordo com cada especialidade médica”. Neste caso, “há vários recursos importantes do ponto de vista da simulação que podem ser transversalmente utilizados também pelos internos de MI”.

Estimular a participação de internos e jovens especialistas de MI no programa doutoral da Faculdade é, igualmente, algo em que João Eurico da Fonseca quer apostar. Até porque, no seu entender, “a presença da MI no nosso campus é crítica, tal como na educação e na ciência”.


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