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Opinião

Um Hospital Público mais Humano


Alexandre Lourenço

Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH)



Em 1948, Coriolano Ferreira iniciava uma série de artigos na Revista Hospitais Portugueses, sob o tema “Humanizemos os Hospitais”.

“O Senhor do Hospital é o doente (...) E o doente não é apenas um caso clínico nem um número administrativo. É uma pessoa, complexo de matéria e espírito, argila e luz. Tem um corpo que padece e tem também afeições, necessidades de espírito, exigências de cultura, precisões económicas. E tudo de tal forma misturado que, quase sempre, uma crise moral ou espiritual demora ou até compromete o restabelecimento corporal.”

Coriolano Ferreira justifica:

“Porque isto assim é, assiste-se hoje por toda a parte a um intenso movimento denominado de ‘humanização dos hospitais’. Significa ele reação contra a deformação de médicos e administradores que viam no doente apenas uma doença ou a economia e não um ser humano total.”

Num tempo em que falamos de cuidados centrados no doente ou, mais recentemente, no cidadão, este primeiro artigo completa 70 anos. Os cuidados de saúde hospitalares de que os portugueses usufruem hoje são incomparáveis aos de 1948.

Muitos aspetos identificados nestes artigos foram, entretanto, paulatinamente implementados, passando pela eliminação das grandes enfermarias à introdução de assistentes sociais nas equipas de saúde. Infelizmente, o artigo mantém a sua atualidade e, como sabemos, muito está ainda por fazer na humanização dos cuidados de saúde.

Até certo ponto, podemos afirmar que o crescente individualismo entrou pelas portas dos hospitais.



Não são episódicos os casos em que a deriva tecnológica e as reivindicações profissionais se sobrepõem ao interesse do doente. Podemos mesmo afirmar que 2017 foi um ano paradigmático ao colocarmos em causa, pela primeira vez, o direito a cuidados de saúde em situações de urgência.

Neste triste caso, atingiram-se níveis de retórica, frenesim e populismo nunca antes vistos. Concordemos que, a humanização dos cuidados passa, necessariamente, pelas condições do trabalho e pela valorização profissional daqueles que diariamente dão um pouco de si por aqueles que mais necessitam. Não existem bons cuidados de saúde sem profissionais de saúde realizados pessoal e profissionalmente.

Todavia, por mais legítimas que sejam as reivindicações, o modelo escolhido leva a uma delapidação da confiança entre profissionais da equipa de saúde e destes para com os utentes. Tal como a saúde, a confiança é algo que se delapida e dificilmente se reconquista.


"Modelos de Hospitalização e Continuidade de Cuidados – Desafios e Oportunidades" foi o tema da 3.ª Conferência de Valor

Dizia a presidente da Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino, Colite Ulcerosa e Doença de Crohn (APDI), Ana Sampaio, na 3.ª Conferência de Valor APAH, realizada em Évora, em outubro: “Os doentes querem coisas simples (...) O doente quer condições dignas num hospital como, por exemplo, casas de banhos condignas, quer um atendimento em que saiba quanto tempo vai ter de esperar, não quer uma senha em que nem sempre é clara a sequência lógica. O doente quer que o médico lhe pergunte qual é a melhor hora para a consulta e que seja fácil desmarcar uma consulta num hospital.”

O Hospital Público é um espaço de cuidado e amor ao próximo. Nesta época festiva, a compaixão e os valores humanistas vivem-se com maior intensidade. Que este período seja também de reflexão para a família da saúde. Que seja possível encontrar a serenidade necessária para, em conjunto, melhorarmos substantivamente os cuidados prestados aos doentes.

A todos, especialmente aos profissionais do Hospital Público e às suas famílias, um Feliz Natal! Façamos, em conjunto, do próximo ano o ano do Hospital Público mais Humano! Como também dizia Coriolano Ferreira: Podemos, devemos!




Artigo publicado na edição de dezembro do Hospital Público.

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