Opinião

Seguimento de doentes com insuficiência cardíaca: telemonitorização como complemento


Afonso Nunes Ferreira

Interno de formação específica em Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN)



Na última década, temos testemunhado o crescimento exponencial da telemedicina, permitindo a monitorização à distância de inúmeros dados fisiológicos. Atualmente, existem 3 estratégias para monitorizar os dados dos doentes: contacto telefónico, uma forma indutiva onde o doente mede diversos parâmetros (ex: pressão arterial, frequência cardíaca, saturação de oxigénio) e os dados são enviados para o médico pela internet e, por último, uma forma automática, habitualmente em doentes com dispositivo cardíaco implantado (ex: CDI, CRT), e na qual os dados são transferidos automaticamente para o médico, não necessitando o doente de os adquirir ativamente.

Estas estratégias pretendem diagnosticar uma possível descompensação de insuficiência cardíaca (IC) na fase pré-sintomática, de forma a possibilitar a otimização da terapêutica médica e evitar uma hospitalização.

A nossa experiência em monitorização remota de doentes com IC prende-se com um subgrupo particular de doentes com fração de ejeção reduzida (< 40%) e com hospitalizações nos 12 meses prévios à sua inclusão no programa de seguimento, em risco elevado de novas descompensações.


Afonso Nunes Ferreira

Desta forma, facultamos aos doentes mais vulneráveis uma maior e personalizada vigilância clínica 24 h/dia, 7 dias/semana. Com a medição de tensão arterial, frequência cardíaca, peso, saturação periférica de oxigénio, temperatura, bioimpedância e eletrocardiograma, tem sido possível diminuir a taxa de hospitalizações e mortalidade por qualquer causa em 73% quando comparado com o tratamento standard dos doentes com IC(1).

Adicionalmente, temos verificado uma redução do número de dias perdidos por hospitalizações ou morte precoce, com um benefício preponderante da telemonitorização. Num ano, um doente com acompanhamento por telemonitorização perde, em média, 5,6 dias por admissões hospitalares/morte precoce, um número significativamente menor quando comparado com 48,8 dias no seguimento standard ou 12,4 dias num programa de seguimento clínico específico de doentes com IC (protocolo RICAHFTeam(2)).

Quando analisámos quais os parâmetros mais frequentemente alterados e que condicionavam alertas clínicos, verificámos que alterações relacionadas com a frequência cardíaca e com a pressão arterial sistólica e diastólica acompanhavam estes alertas clínicos, mesmo antes da alteração do peso ou do aparecimento de sintomas dos doentes.

Com este diagnóstico atempado dos sinais pré-clínicos de adaptação autonómica, a monitorização remota possibilita ganhar tempo. Ganhar tempo para otimizar a terapêutica médica do doente e evitar hospitalizações.

Na atual pandemia SARS-CoV-2, resultados preliminares do nosso programa apontam para uma redução do número de dias perdidos por hospitalizações ou morte precoce dos doentes em telemonitorização em relação ao seguimento usual. Por outras palavras, os doentes seguidos com telemonitorização necessitaram de se deslocar menos frequentemente ao hospital para manterem o controlo sintomático da IC.

Por fim, com base na nossa experiência em telemonitorização, esta deve ser um complemento ao seguimento do doente num programa estruturado de insuficiência cardíaca, com consultas presenciais agendadas e otimização terapêutica de acordo com a melhor prática clínica e um complemento à educação do doente para a sua doença. Desta forma, doente e equipa clínica trabalham juntos no controlo da IC.

Referências:

1. Nunes-Ferreira A, Agostinho JR, Rigueira J, et al. Non-invasive telemonitoring improves outcomes in heart failure with reduced ejection fraction: a study in high-risk patients. ESC Heart Fail. 2020. doi:10.1002/ehf2.12999.
2. Agostinho JR, Gonçalves I, Rigueira J, et al. Protocol-based follow-up program for heart failure patients: Impact on prognosis and quality of life. Rev Port Cardiol. 2019;38(11):755-764. doi:10.1016/j. repc.2019.03.006.



Artigo publicado na edição de janeiro/abril 2021 do jornal Coração e Vasos.

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