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Opinião

Rastreio da doença de Fabry em miocardiopatia hipertrófica envolveu 12 centros hospitalares


Olga Azevedo

Cardiologista. Coord. do Centro de Referência de Doenças Lisossomais de Sobrecarga do H. Senhora da Oliveira – Guimarães. Vogal do GEDMP da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.



Foi realizado em Portugal um estudo de rastreio de doença de Fabry em doentes com miocardiopatia hipertrófica (MCH)(1), coordenado pelo Hospital Senhora da Oliveira – Guimarães, Centro de Referência de Doenças Lisossomais de Sobrecarga, e que envolveu um total de 12 centros hospitalares no país.

Este estudo teve como objetivo determinar a prevalência e os preditores da doença de Fabry em MCH.

Foi um dos maiores estudos de rastreio de doença de Fabry em MCH, tendo incluído 780 doentes adultos com o diagnóstico de MCH, de acordo com os critérios da Sociedade Europeia de Cardiologia. O rastreio da doença de Fabry foi efetuado através de um método combinado enzimático e genético: o teste enzimático foi realizado a todos os doentes e o teste genético foi efetuado a todos os homens com atividade enzimática da α-galactosidase A reduzida e a todas as mulheres, independentemente do valor da atividade enzimática.

Em 780 doentes com MCH, foram encontrados 37 doentes de Fabry, dos quais 31 com a mesma mutação genética do gene GLA (p.F113L). Destes 31 doentes com a mutação p.F113L, 27 eram da região de Guimarães, devido a um efeito fundador da doença nesta região.

O efeito fundador da doença de Fabry na região de Guimarães foi demonstrado através de uma investigação genealógica, realizada em colaboração com historiadores, que revelou que os doentes de Fabry com a mutação p.F113L eram descendentes de um mesmo ancestral comum, uma mulher nascida em 1611 na região de Guimarães.


Olga Azevedo

Tendo em conta o efeito fundador da doença de Fabry em Guimarães, a prevalência da doença na MCH foi determinada em 0.9%. Este resultado é consistente com os resultados mais recentes de uma revisão sistemática da literatura, que incluiu 17 estudos de rastreio de doença de Fabry em MCH ou hipertrofia ventricular esquerda (HVE) e um total de 5491 doentes e que encontrou uma prevalência da doença de 0.94% em homens e 0.9% em mulheres com MCH/HVE.

Mais recentemente, o maior estudo já realizado nesta temática também encontrou uma prevalência de doença de Fabry em MCH de 0.94%.

Embora seja uma causa rara de MCH, é uma causa tratável, pelo que o seu diagnóstico precoce é fundamental.

Contudo, apesar das muitas red-flags descritas na literatura, o diagnóstico da doença de Fabry permanece tardio, sendo, por isso, fundamental determinar preditores que sejam úteis na prática clínica para identificar doença de Fabry na MCH.

Para isso, este estudo focou-se em variáveis facilmente obtidas a partir de exames amplamente utilizados pelos cardiologistas para o estudo dos doentes com MCH, como o ECG, o ecocardiograma e a RM cardíaca.
 
Com base nestas variáveis, este estudo identificou como preditores independentes de doença de Fabry na MCH a HVE simétrica, o infradesnivelamento de ST, o bloqueio bifascicular e o realce tardio inferolateral basal, sendo os preditores mais poderosos o bloqueio bifascicular e o realce inferolateral basal.

Análises estatísticas adicionais permitiram definir um score, que posteriormente foi simplificado numa regra pragmática muito simples:

(i) Na presença de bloqueio bifascicular ou realce inferolateral basal, o rastreio dirigido da doença de Fabry é o passo seguinte mais apropriado no estudo etiológico da MCH;

(ii) e na ausência de bloqueio bifascicular e de realce tardio inferolateral basal, o passo seguinte mais apropriado neste estudo é o teste genético com um painel alargado de genes de MCH.

Este estudo foi inovador porque identificou preditores independentes de doença de Fabry na MCH, a partir de uma perspetiva clinicamente útil para o cardiologista, e porque realçou a importância do ECG no diagnóstico diferencial de doença de Fabry de outras causas de MCH, sendo pioneiro ao identificar o bloqueio bifascicular e o infradesnivelamento de ST como preditores independentes de doença de Fabry na MCH.

Posteriormente, já outros estudos vieram confirmar que, quer o infradesnivelamento de ST, quer o bloqueio completo de ramo direito (precursor do bloqueio bifascicular), são preditores independentes de doença de Fabry na MCH.

Este estudo foi o resultado de um trabalho conjunto de vários centros de Cardiologia do país e de vários investigadores, encontrando-se publicado na revista American Heart
Journal, onde é possível conhecer mais detalhes do estudo, dos centros participantes e dos seus investigadores (1).


Referência:
1. Azevedo O, Marques N, Reis L, Cruz I, Craveiro N, Antunes H, Lourenço C, Gomes R, Guerreiro RA, Faria R, Sá F, Lima R, Gaspar P, Faria R, Miltenberger-Miltenyi G, Sousa N, Cunha D; group of investigators.
Predictors of Fabry disease in patients with hypertrophic cardiomyopathy: How to guide the diagnostic strategy? Am Heart J. 2020 Aug;226:114-126. doi: 10.1016/j.ahj.2020.04.006.




O artigo pode ser lido no jornal Hospital Público n. 34, no âmbito de um Especial sobre a 11.ª Reunião Anual do Grupo de Estudo de Doenças do Miocárdio e do Pericárdio.

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