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Opinião

«Quereríamos um parto feito por não especialistas?»


Pedro Melo

Especialista em Enfermagem Comunitária. Professor auxiliar convidado do Instituto de Ciências da Saúde / Escola de Enfermagem da Universidade Católica Portuguesa



No Diagnóstico de Enfermagem deste mês, parece, pelo título, que vou falar de Saúde Materna e de partos, não é verdade?

Mas não, o assunto é uma reflexão profunda sobre outro tipo de parto: o parto da efetividade da gestão de programas e projetos. É verdade, no SNS ainda se encontra negligenciado o cuidado especializado da Enfermagem de Saúde Comunitária e de Saúde Pública, que contempla o “Planeamento em Saúde” e a “Gestão de Programas e Projetos”.

Talvez, numa primeira análise, porque muitas vezes é incompreendido o conceito de gestão de um projeto. Associa-se a palavra gestão a “mandar”, a “decidir tudo”... Mas não, gerir é assegurar a segurança, a robustez e a fiabilidade e efetividade e eficácia do projeto.

O Planeamento em Saúde, enquanto cuidado especializado de Enfermagem, exige, desde logo, a decisão sobre que diagnósticos de enfermagem se vão desenvolver no contexto de uma comunidade ou população. Esta decisão implica necessariamente, determinar os focos de atenção, definir os critérios de diagnóstico e os instrumentos mais robustos para o identificar e depois traduzir esses mesmos diagnósticos numa perspetiva epidemiológica (que demanda um processo de cálculos muito rigorosos).

Depois, e como normalmente os recursos são escassos na saúde, é preciso priorizar. Esta etapa exige o domínio de técnicas e instrumentos de priorização que, à semelhança dos instrumentos usados num bloco cirúrgico, podem, se usados erroneamente, potenciar a morte, neste caso do projeto, logo na sua génese. Vem depois a determinação dos objetivos.

Entender a diferença entre finalidade, objetivos gerais, objetivos específicos e metas é essencial para o projeto ser bem conduzido. Infelizmente, já vi muitas metas que são, afinal, um conjunto de estratégias focadas no processo, por exemplo: “meta – realizar sessões de educação para a saúde”.

Ainda na lógica da decisão clínica em Enfermagem, é preciso relacionar a finalidade, objetivos e metas com os diagnósticos de enfermagem priorizados e há uma lógica para isso, que exige o apoio especializado de Enfermagem de Saúde Comunitária e de Saúde Pública (ESCSP) para a definir.


E a seleção de estratégias e a definição de indicadores e as respetivas fórmulas são o caminho para a valorização do projeto em si e para demonstrar que valeu a pena investir naquele mesmo projeto, com os ganhos em saúde que dele advêm.

O que se quer aqui refletir é que, nos contextos onde são desenvolvidos programas e projetos, há a oportunidade de aproveitar especialistas em Enfermagem de Saúde Comunitária e de Saúde Pública que não deve ser desperdiçada. Uma curiosidade que acrescento: distinguir os conceitos de “Plano”, “Programa” e “Projeto” é também fundamental.

Já vi descritos em documentos oficiais expressões como “Plano Nacional de Saúde Escolar” ou “Plano Nacional de Vacinação”. Nestes casos está a dar-se um nome errado a dois programas que na hierarquia da gestão em saúde não são um “Plano”.


Pedro Melo

Mas os projetos podem e devem ser coordenados pelos profissionais que são das respetivas áreas centrais dos mesmos (os projetos de saúde materna, coordenados pelos enfermeiros especialistas em Saúde Materna e Obstétrica, os projetos de saúde mental pelos especialistas em Saúde Mental e Psiquiátrica, etc.).

Contudo, o zelo pela qualidade e segurança dos projetos exige que haja sempre a consultoria e apoio de um especialista em Enfermagem de Saúde Comunitária e de Saúde Pública para a elaboração desse mesmo projeto.

Ainda acredito que, tal como um projeto de uma ponte ou de um edifício têm de ser validados e ter a assinatura de um arquiteto e/ou engenheiro certificado, também um projeto de intervenção comunitária deve ter a validação e assinatura de um enfermeiro especialista em ESCSP.

Volto à pergunta do título: não iríamos querer um parto feito por não especialistas, pois não? Então porque deixar que o parto da efetividade de um programa ou projeto seja negligenciado?

Os recursos especializados existem, ou devem ser exigidos, e humildemente afirmo que juntos somos mais fortes e a gestão de um programa ou projeto, assegurada por um especialista em ESCSP que apoie o seu coordenador, permitirão assegurar ainda melhor qualidade, segurança e visibilidade aos mesmos. Experimente-se.



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