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Opinião

«Que Orçamento de Estado para os trabalhadores da Saúde?»


Xavier Barreto

Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH)



O ano de 2023 trará um enorme desafio para os sistemas de saúde. Não apenas para o português, mas para todos os sistemas de saúde europeus. Os últimos dois anos foram de uma exigência sem par, tendo deixado o sistema de saúde, particularmente o Serviço Nacional de Saúde (SNS) francamente exaurido. Exaurido de recursos, mas também (e principalmente) de ânimo.

Terminada (ou quase terminada) a pandemia, surge um novo desafio, talvez ainda mais penoso: o conflito militar no leste da Europa e as suas consequências nas economias de todo o mundo (e, consequentemente, nos seus sistemas de saúde). O impacto é enorme, particularmente no âmbito dos preços e no aumento das taxas de inflação.

É neste contexto, e para responder a estes desafios, que nos é apresentado o Orçamento de Estado (OE) para 2023. O orçamento da Saúde, como sabemos, é o maior de sempre.

Trata-se de um aumento superior a 10% se compararmos com o orçamento de 2022, sendo que esse aumento desce para menos de 8% se compararmos com a execução prevista para o final do mesmo ano. Na verdade, num contexto de inflação a rondar os 10%, o orçamento para a Saúde teria sempre um aumento muito significativo.


Xavier Barreto

A questão que se coloca é se esse aumento é, ou não, suficiente. Esse juízo, como é facilmente compreensível, não pode resumir-se à mera alusão ao aumento absoluto, devendo antes ser confrontado com as necessidades do SNS. Mais de metade do aumento previsto prende-se com investimento: o OE prevê um total de 977 milhões de euros para esta dimensão.

Este aumento, sendo desejável, comporta riscos: já em 2022 se previa um investimento superior a 900 milhões no SNS, dos quais serão executados apenas cerca de 40%. De nada vale um anúncio de aumento das verbas para investimento se este não se concretizar na prática. O restante aumento será alocado essencialmente ao aumento de custos operacionais: 2,9% de aumento para a despesa com recursos humanos e 3,7% de aumento para os custos com bens e serviços.

É pouco crível que estes valores bastem. Naturalmente que existe margem para melhorar a eficiência e é expectável que a Direção Executiva do SNS se foque de forma particular nessa dimensão. Mas o que sabemos neste momento é pouco animador em relação à suficiência desses aumentos.

3,7% parece ser curto para os aumentos que se têm verificado no custo dos bens e serviços. Considerando a atual taxa de inflação, e mesmo partindo de pressupostos otimistas, esse aumento apenas seria suficiente se se verificassem melhorias dramáticas na eficiência do SNS. Esperamos que aconteça, estaremos sempre comprometidos com esse objetivo, mas existe um sério risco de que a melhoria seja mais lenta do que o implícito no OE 2023.

No caso dos recursos humanos, as dúvidas dão lugar à certeza: estamos perante uma proposta que deveria ter ido mais longe. Considerando o aumento do custo de vida dos nossos trabalhadores e o facto de não serem acompanhados por aumentos salariais que mitiguem esse efeito, parte significativa dos trabalhadores, em termos reais, vão perder rendimento em 2023 (como já tinham perdido em 2022). Assim, é impossível captar e reter os melhores profissionais.

A recuperação na pós-pandemia deveria ser uma oportunidade para repensarmos todo o sistema de Saúde. Nos seus aspetos organizativos, na forma como estruturamos a nossa oferta de cuidados, mas, acima de tudo, na forma como gerimos os nossos profissionais de saúde.

A governação não se esgota no OE e as soluções estão ao alcance do Governo. Encontrando formas mais justas de retribuição (que incorporem o desempenho), alterando drasticamente as metodologias de avaliação de desempenho e atualizando as carreiras da Saúde.

Sem prejuízo de todas as outras, não posso deixar de referir a carreira de Administração Hospitalar. Infelizmente, encontra-se ausente do OE 2023, continuando a manter num limbo inaceitável, há mais de 20 anos, centenas de trabalhadores da saúde em Portugal.

Trata-se de uma omissão injusta (dado o valor que diariamente é acrescentado ao SNS pelos seus administradores hospitalares) e incoerente (como falar em boa gestão no SNS sem rever a carreira de Administração Hospitalar?).

Em todo o caso, estamos certos de que a tutela não ignorará a delicada situação em que se colocou por via desta omissão legislativa (como manter centenas de trabalhadores do SNS sem enquadramento legal específico, durante mais de 20 anos?) e que em breve atalhará caminho e procederá à sua correção.



O artigo pode ser lido no Hospital Público de novembro/dezembro 2022.

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