Opinião
Prevenção de quedas na população mais velha: «Os doentes devem ser rastreados para sarcopenia»
Lia Marques
Internista. Coordenadora da Unidade de Ortogeriatria do H. Beatriz Ângelo. Membro do Secretariado do NEGERMI
As quedas são uma importante síndrome geriátrica e uma das principais causas de morbimortalidade, de compromisso funcional e de qualidade de vida na população mais velha. São multifatoriais na sua etiologia e têm fatores de risco bem identificados e modificáveis.
A sarcopenia tem uma prevalência de 6 a 22% na população geriátrica e associa-se a compromisso de prognóstico, com redução da mobilidade, equilíbrio e estabilidade. Leva ainda a aumento da incidência de quedas, fraturas, perda de autonomia funcional, institucionalização, compromisso da qualidade de vida e mortalidade.
A sarcopenia é uma doença progressiva e generalizada do músculo esquelético, codificada na ICD10, reconhecida como um fator de risco modificável para queda(2). O seu diagnóstico e abordagem terapêutica continuam a ser negligenciados e a sua abordagem é fundamental em qualquer plano de prevenção de quedas.
A definição de consenso do European Working Group on Sarcopenia in Older People de 2018 (EWGSOP2)(1) trouxe um algoritmo diagnóstico e terapêutico aplicável à prática clínica, que utiliza a força muscular como medida central da função muscular.
Lia Marques
Os doentes devem ser rastreados para sarcopenia, através do questionário SARC-F3. Quando o rastreio é positivo deve-se avaliar a força muscular (força de preensão palmar ou teste de levantar da cadeira). Quando há redução da força muscular é estabelecido um diagnóstico provável de sarcopenia. O diagnóstico de sarcopenia só é confirmado quando se documenta redução da massa muscular, sempre mais complexa na prática clínica.
Após a confirmação diagnóstica é classificada como grave, quando se documenta compromisso da performance física.
A EWGSOP2 recomenda que sejam implementadas medidas terapêuticas para a sarcopenia, mediante a presença de um diagnóstico provável, agilizando a intervenção na prática clínica. A abordagem da sarcopenia é um dos componentes dos planos de prevenção de quedas e deve englobar terapêutica combinada com exercício físico e intervenção nutricional.
O exercício físico na sarcopenia deve privilegiar treinos de resistência progressiva e é considerada a primeira linha terapêutica(4). Estes programas aumentam a massa e força musculares e melhoram a performance física. Os programas de treino devem ser sempre personalizados aos objetivos e preferências de cada doente. A promoção de uma vida ativa é igualmente benéfica na abordagem da sarcopenia e o treino aeróbio continua a ser recomendado.
O exercício físico deve ser complementado com intervenções nutricionais, devendo ser assegurado o aporte diário recomendado com 25 a 30 Kcal/Kg/dia, com especial atenção ao aporte proteico de 1,2 a 1,5 g/Kg/dia, distribuído regularmente por três refeições (25 a 30 g de proteína por refeição). Pode ainda ser considerada adicionalmente a suplementação com leucina ou hidroximetilbutirato (HMB).
A suplementação com vitamina D (700 a 1000 UI/dia) tem efeitos benéficos sobre a função muscular, com melhoria da estabilidade postural, performance física e força muscular. Deve ser considerada em doentes com deficiência de vitamina D (< 20 ng/mL de 25-hidroxivitamina D) e nos que têm alto risco de queda. Qualquer plano de cuidados em Geriatria é interdisciplinar e integrado, com o objetivo de melhorar e preservar a autonomia funcional e a qualidade de vida.
Referências:
1. Dent, E., Morley, J.E., Cruz-Jentoft, A.J. et al. International Clinical Practice Guidelines for Sarcopenia (ICFSR): Screening, Diagnosis and Management. J Nutr Health Aging 22, 1148-1161 (2018). https://doi.org/10.1007/s12603-018-1139-9.
2. Alfonso J. Cruz-Jentoft et al, Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis, Age and Ageing 2019; 48: 16–31 doi: 10.1093/ageing/afy169 Published electronically 24 September 2018.
3. Suey S.Y. Yeung et al Sarcopenia and its association with falls and fractures in older adults: A systematic review and meta-analysis Journal of Cachexia, Sarcopenia and Muscle 2019; 10: 485–500. Published online 16 April 2019 in Wiley Online Library (wileyonlinelibrary.com) DOI: 10.1002/jcsm.12411
4. Malmstrom TK, Miller DK, Simonsick EM et al. SARC-F: a symptom score to predict persons with sarcopenia at risk for poor functional outcomes. J Cachexia Sarcopenia Muscle 2016; 7: 28– 36.
Artigo publicado na edição de outubro do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários, no âmbito de um Especial dedicado à 4.ª Reunião do Grupo de Estudos de Geriatria.
Jornal distribuído em todas as unidades de cuidados primários do SNS.
Porque as boas práticas merecem uma ampla partilha entre profissionais!