A escola não se faz sem saúde


Luís Filipe Barreira

Bastonário da Ordem dos Enfermeiros



Com o início de mais um ano letivo regressa também a reflexão sobre o papel que a escola deve assumir no desenvolvimento integral das crianças e jovens. As escolas, onde passam grande parte do seu dia, são espaços privilegiados de promoção da saúde, prevenção da doença e apoio precoce em situações de risco. Porém, a ausência de atenção política e de recursos dedicados à saúde escolar traduz-se em consequências diretas para o bem-estar dos alunos, para o seu sucesso educativo e para a construção de uma sociedade mais saudável e preparada para o futuro.

É fundamental reconhecer que os enfermeiros podem desempenhar um papel muito importante no contexto educativo. Nenhum outro profissional possui a formação e a capacidade para responder a emergências, acompanhar crianças com condições crónicas ou implementar programas consistentes de promoção da saúde. Os professores não podem nem devem assumir funções para as quais não estão preparados. Apenas um enfermeiro integrado de forma permanente na comunidade escolar pode identificar precocemente sinais de doença, administrar medicação de forma segura, intervir em situações de urgência e servir de elo entre a escola, a família e os serviços de saúde. É também uma figura de confiança, a quem os alunos recorrem não só em situações clínicas, mas também em momentos de fragilidade emocional.

Os desafios atuais tornam esta presença ainda mais urgente. Verifica-se um aumento expressivo de doenças crónicas na infância e adolescência, como diabetes, asma e alergias severas, que exigem acompanhamento durante o período escolar. Sem um enfermeiro disponível, estas crianças ficam dependentes da presença dos pais ou de funcionários sem formação específica, o que pode colocar em risco a sua segurança. Ao mesmo tempo, assistimos a um crescimento alarmante dos problemas de saúde mental em idades cada vez mais precoces. Ansiedade, depressão e distúrbios de comportamento surgem entre os mais novos, muitas vezes agravados pelas pressões sociais contemporâneas e, ainda, pelos efeitos da pandemia. Um enfermeiro atento no contexto escolar pode detetar sinais de alerta e encaminhar para apoio especializado antes que a situação se agrave.

Apesar desta evidência, a maioria das escolas portuguesas não dispõe de um enfermeiro. Equipas de enfermagem comunitária, já sobrecarregadas, tentam dar resposta a dezenas de estabelecimentos, garantindo apenas visitas pontuais onde deveria haver acompanhamento permanente. Esta insuficiência resulta, em grande medida, da ausência de financiamento e de planeamento. Sem uma adequada alocação de recursos e definição de rácios mínimos de profissionais, a saúde escolar acaba por depender da boa vontade de alguns ou de projetos temporários, sem continuidade nem consistência.


Luís Filipe Barreira

Urge inverter esta situação com medidas concretas e estruturais. É essencial implementar um plano que assegure a presença de, pelo menos, um enfermeiro a tempo inteiro em cada agrupamento escolar, com perspetiva de evolução para a colocação de um enfermeiro em cada escola. É, por isso, indispensável reforçar a articulação entre os ministérios da Saúde e da Educação, eliminando barreiras burocráticas e integrando as ações de saúde no quotidiano escolar.

Outro ponto central é a valorização da função do enfermeiro em contexto escolar. Este deve ser reconhecido como elemento essencial da escola, com formação especializada, carreira atrativa e estabilidade profissional. Investir neste papel é um imperativo de justiça social, porque garante equidade no acesso aos cuidados, independentemente da condição económica das famílias. É, por outro lado, uma medida de segurança, porque garante resposta qualificada e imediata a emergências, sendo também uma aposta no futuro, porque a saúde das novas gerações determina a qualidade e sustentabilidade da nossa sociedade.

O investimento em saúde escolar representa ainda ganhos económicos claros. Estudos internacionais demonstram que cada euro investido na promoção da saúde e na prevenção da doença se traduz em múltiplos euros poupados em tratamentos futuros. Promover hoje hábitos de vida saudáveis, prevenir o consumo de álcool e tabaco, combater a obesidade e apoiar a saúde mental desde cedo significa reduzir a carga de doença e os custos associados nas próximas décadas.

A enfermagem portuguesa está disponível para assumir esta responsabilidade. O que falta é vontade política para que um discurso antigo se traduza em ações concretas. Não há mais espaço para adiamentos. É tempo de coragem e visão. Dotar as escolas dos meios necessários para cuidar das nossas crianças e jovens é investir num futuro mais justo e saudável.


Nota: Este artigo de opinião foi escrito para a edição de setembro 2025 do Jornal Médico, no âmbito da colaboração bimestral de Luís Filipe Barreira.

seg.
ter.
qua.
qui.
sex.
sáb.
dom.

Digite o termo que deseja pesquisar no campo abaixo:

Eventos do dia 24/12/2017:

Imprimir


Próximos eventos

Ver Agenda