Opinião

«A Enfermagem promove, de forma robusta, a materialização da constitucionalidade»


Pedro Melo

Especialista em Enfermagem Comunitária. Professor auxiliar convidado do Instituto de Ciências da Saúde / Escola de Enfermagem da Universidade Católica Portuguesa



A 2 de abril de 1976 é aprovada e decretada a Constituição da República Portuguesa. Sob as brisas das recentes memórias do derrube do regime fascista, realçadas no próprio preâmbulo da CRP, Portugal tinha publicados os alicerces para a construção de um Estado de Direito Democrático.

A importância crucial deste momento histórico assenta na própria descrição expressa no artigo 2.º da CRP, que indica que este Estado Democrático se baseia “…na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”.

Pois bem, a designação de um Estado de Direito Democrático encontra um forte contributo da Enfermagem enquanto Ciência e enquanto profissão.


Pedro Melo

Pode o leitor desta coluna questionar-se neste momento: mas que relação tem uma profissão da saúde com um conceito basilar da democracia portuguesa? A resposta é complexa, mas clara: o exercício de uma democracia participativa assenta em dois pilares fundamentais: o sentido de responsabilidade e liderança (onde cada cidadão precisa de se ir empoderando no que respeita a conhecimentos, crenças, valores e atitudes) e o sentido de adesão ao exercício da democracia (assente nos fatores motivacionais e de volição para o comportamento). Ora, estes pilares relacionam-se com os processos intencionais e de interação com o ambiente das pessoas, enquanto conceito metaparadigmático da Enfermagem.

Neste sentido, estou convicto de que investir em recursos humanos de Enfermagem, principalmente no contexto de proximidade com os cidadãos (nomeadamente nos Cuidados de Saúde Primários) é investir na promoção de condições para o exercício da cidadania. Na primeira coluna que escrevi no Jornal Médico foquei que o alvo dos cuidados dos enfermeiros são os infirmes.

Pois bem, não há maior infirmeza do que um vazio de sentido democrático e este vazio tem impacto em vários domínios da saúde das pessoas e, por isso, é uma importante preocupação dos enfermeiros.

A Parte I da CRP, que descreve e fundamenta os Direitos e Deveres fundamentais dos cidadãos portugueses, inscreve cada cidadão nos seus direitos, liberdades e garantias (pessoais, de participação política e no contexto laboral), assim como os direitos e deveres económicos, sociais e culturais.

No contexto desta parte estão importantes focos de atenção dos enfermeiros, como são exemplo (usando a terminologia da CIPE – Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem –, parametrizada nos Sistemas de Informação em Saúde portugueses) o rendimento familiar, a habitação, a precaução de segurança, a gestão comunitária, o papel parental ou o papel de prestador de cuidados.

Sempre que um enfermeiro exerce a sua atividade de diagnóstico e as suas prescrições e intervenções está a potenciar em cada cliente a autoperceção dos seus direitos e deveres fundamentais. Cada cidadão que conhece os seus direitos e deveres, que desenvolve competências para o exercício dos seus papéis sociais e que compreende a saúde como um direito constitucional, torna-se peça fundamental para a construção de um presente sólido e de um futuro assente no paternalismo libertário da democracia portuguesa.

Todo este processo é garantido no cuidado de enfermagem, pela sua natureza de abordagem das pessoas, dos infirmes, nos seus processos intencionais, não intencionais e de interação com o ambiente.

Neste sentido, é convictamente importante afirmar que, se em cada contexto local de exercício do poder político (e, portanto, promotor do bem comum) existissem enfermeiros a aplicar o seu processo de decisão clínica, seriam epicentros para o exercício da democracia participativa.
 
A partir dos cuidados de enfermagem, cada cidadão desenvolve robustez cognitiva, aprendizagem de capacidades e otimiza crenças, atitudes e volição que o tornam melhor no exercício dos seus papeis e cidadania.

Então, posso afirmar que a Enfermagem é uma disciplina e uma profissão que promove, de uma forma robusta, a materialização da constitucionalidade e, portanto, da democracia nos cidadãos que são alvo dos cuidados dos enfermeiros.



Artigo publicado na edição de fevereiro do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários.

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