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«É fundamental a formação em Cuidados Paliativos dos internos de Medicina Interna»


Ricardo Fernandes

Internista, Equipa Intra-hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos do CHVNG/E. Elemento do Secretariado do NEMPal



Falar em formação é falar em construção e desconstrução, em revirar ideias-tijolo (na perspetiva de pedras angulares e estruturantes do pensamento) e (re)mexer em caixas de ferramentas (que ou nos são dadas na faculdade ou com os nossos mestres [colegas ou doentes] vamos enchendo uma caixa que seria aparentemente vazia). Ferramentas essas que se encontram (ou que se devem encontrar) afinadas num “quase” perfeito equilíbrio entre o que a expertise científico-técnica estabelece (na sempre valiosa e dinâmica legis artis), a humanização e a ética.

Não nos podemos jamais esquecer que somos responsáveis por aquilo que criamos e o nosso trabalho enquanto formandos e formadores é saber mais do que brilhantes diagnósticos (que têm o seu valor e é até eles e com eles que estabelecemos o nosso plano de intervenção, individualizado e integrado), saber cuidar e tratar de gente, de pessoas que curiosamente são tão ou mais reais e frágeis que nós (o que não deixa de ser curioso...).

Quando falamos de formação em Cuidados Paliativos (CP) como estamos em Portugal e na Europa? Bem... ao contrário do que se poderia considerar, o nosso país já tem Cuidados Paliativos desde os anos 90 do século passado (e quão  notório tem sido o seu crescimento).

A grande maioria das escolas médicas tem disciplinas opcionais ou obrigatórias de Cuidados Paliativos, nas quais são envolvidas as Equipas Intra-hospitalares de Suporte em Cuidados Paliativos (EIHSCP)/Serviços de Cuidados Paliativos (SCP), bem como as Equipas Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP), que são bem mais do que um perfeito exemplo do continuum de cuidados.


Existe uma grande panóplia de formações quer de nível básico, quer de nível intermédio ou avançado, para os diferentes profissionais que acompanham a pessoa com necessidades paliativas nos seus diferentes cenários (urgência, consulta externa, internamento e domicílio), cada uma com as suas especificidades.


Ricardo Fernandes

No que diz respeito à Ordem dos Médicos (OM), existe no atual momento uma Competência em Medicina Paliativa que pode ser acessível através do cumprimento de horas de formação teórica e prática. Na globalidade da Europa ainda não é uma especialidade, exceto em Itália.

A organização em cada um dos países é muito própria. Por exemplo, em Portugal, atualmente, não dispomos de hospice como existe, nomeadamente, no Reino Unido e em Espanha.

Com o intuito de garantir essas mesmas ferramentas para os internos de formação específica de Medicina Interna, o Núcleo de Estudos de Medicina Paliativa (NEMPal), tendo em conta as recomendações da European Association of Palliative Care para o currículo pré-graduado e o Plano Estratégico de Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos (PEDCP), partilhou com o Colégio da Especialidade de Medicina Interna um documento com diretrizes que se consideram fundamentais na arte de bem formar em Cuidados Paliativos.

Princípios básicos de Cuidados Paliativos
- Definição de Cuidados Paliativos e seus princípios; compreensão da complexidade do fim de vida; abordagem multiprofissional e interdisciplinar em Cuidados Paliativos e necessidade de integração precoce dos Cuidados Paliativos na progressão da doença;

Controlo da Dor e outros sintomas
- Princípios básicos de controlo de sintomas; avaliação de sintomas; avaliação da dor, incluindo o conceito de dor total; princípios do tratamento farmacológico da dor (titulação, dose basal e de resgate, analgésicos opioides, não opioides, adjuvantes, equianalgesia, rotação de opioides); princípios do tratamento não farmacológico da dor; avaliação e tratamento de outros sintomas;

Abordagem de aspetos Psicológicos e Espirituais
- Conhecimento e compreensão da resposta emocional à vivência da doença crónica e às perdas progressivas que ocorrem, culminando com o luto da própria vida; identificação de fatores de risco para luto complicado; desenvolvimento de competências da abordagem espiritual: escuta ativa, esperança, revisão de vida, sentido de vida e eventuais crenças religiosas;

Ética e Tomada de Decisão - Reflexão e discussão de decisões de fim-de-vida, nomeadamente de abstenção e suspensão de tratamentos e promoção das práticas de Planeamento Avançado de Cuidados, Procurador de Cuidados de Saúde e Diretivas Antecipadas de Cuidados;

Comunicação
- Reconhecimento da importância da comunicação e desenvolvimento das suas competências; comunicação em contextos específicos: discussão de prognóstico, tomada de decisão, resolução de conflitos, abordagem com a família e comunicação com as equipas de profissionais;

Trabalho em Equipa e Autoconhecimento
- Definição do trabalho em equipa. como a distribuição de tarefas, papéis, o processo de tomada de decisão e a necessidade de debriefing, partilha e reflexão conjunta  e promoção individual e coletiva do bem-estar e prevenção do burnout.

Importa também reforçar que está a ser criada uma rede de centros de formação em Cuidados Paliativos nas diferentes instituições, garantindo que todos aqueles que a elas acorrem possam ter uma formação tão estruturada e atual possível (não acompanhassem os CP a restante evolução da Medicina e da Ciência).

Num futuro próximo, e à luz do que foram os ensinamentos da pandemia covid-19, estratégias de aprendizagem/acompanhamento com recurso a simulação, aplicações para tablet e smartphones, teleconsulta e telemonitorização e mesmo o recurso à ecografia point-of-care serão (mais) ferramentas úteis.

Acresce ainda dizer que a revisão de artigos, apresentação de casos clínicos e de revisões baseadas na evidência, role-play, entre muitas outras, não deixarão de ser atuais e excelentes métodos de aprendizagem.

Para finalizar esta partilha, e citando a Dr.ª Sara Silva, aquando da sua brilhante exposição no Webinar apresentado no dia 11 de maio deste ano: “Onde existe um internista... os Cuidados Paliativos estão (devem estar!) presentes!”

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