«Todos temos culpa por não haver mais reabilitação cardíaca»

Hélder Pereira, presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, não hesita em considerar a reabilitação cardíaca uma das áreas críticas da Cardiologia, afirmando ser “uma vergonha nacional” o que se passa, exemplificando que apenas 9,3% dos doentes com cardiopatia isquémica têm acesso a ela.

“Só quem contacta com os doentes que fazem reabilitação é que se apercebe como eles se sentem bem, integrando-se mais facilmente na sociedade e aderindo melhor à terapêutica, sendo um facto que contribui para reduzir a mortalidade”, afirma.

Em entrevista à Just News, o diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital Garcia de Orta faz questão de afirmar: “Temos todos culpa!". E explica o motivo:

"Penso que nós fomos formatados mais para a medicina curativa e, como na Cardiologia muito do que é implementado nasce da base para o topo, também não tem havido grande interesse por parte dos cardiologistas para uma plena implementação, a par do próprio Ministério da Saúde não apostar na reabilitação cardíaca."

De qualquer forma, não é uma tarefa fácil, pois a reabilitação é muito mais do que mero exercício físico, o que implica um investimento em estrutura e recursos humanos próprios”, remata.



"Não devemos estar isolados em bolhas”

Hélder Pereira sublinha que “a Cardiologia é uma especialidade muito exigente do ponto de vista da  tecnologia utilizada para o estudo dos doentes e o que acontece é que um cardiologista que se forme, por exemplo, em Coimbra, com todas as valências disponíveis, onde é praticada uma medicina com uma qualidade de topo, vai-se sentir muito desprotegido se for para um hospital do interior”.


“A Cardiologia é francamente multidisciplinar e as doenças cardiovasculares são muito complexas, havendo cada vez mais áreas de especialização. É o caso da Cardiologia de Intervenção e da Eletrofisiologia, que se desenvolveram imenso nos últimos anos, a par com a Imagiologia, que presentemente é todo um novo mundo. Os desafios que se colocam com o diagnóstico e tratamento de determinadas patologias, como a insuficiência cardíaca ou as doenças do miocárdio, obrigam forçosamente a uma intervenção multidisciplinar!”, afirma.

“Alguém que esteja sozinho, ou mesmo com mais dois ou três colegas isolados, vai sentir-se desacompanhado e notar muito a falta da discussão clínica aprofundada”, garante Hélder Pereira, procurando explicar o facto de não ser fácil encontrar cardiologistas disponíveis para integrar unidades hospitalares mais afastadas do litoral e, em geral, muito mal equipadas.


De qualquer forma, o médico está otimista relativamente ao futuro, mostrando-se convicto de que “as novas tecnologias podem ajudar a alterar esta situação, em paralelo com uma eficiente organização em rede, com uma boa afiliação entre hospitais, facilitando-se a troca de informação entre os vários centros de diferentes níveis”.

Pensando ser “inevitável que haja alguma especialização na Cardiologia”, desde logo pela complexidade de cada área, faz questão de esclarecer que no Serviço que dirige procura “transmitir que não devemos estar isolados em bolhas”, antes se devendo “apostar na intercomunicação”.



“Todos temos a obrigação de tratar a hipertensão"


Hélder Pereira também defende – e isso torna-se muito evidente em relação a determinadas patologias – que “a Cardiologia não deve nem pode estar isolada de outras especialidades” na abordagem às mesmas. E apresenta logo o exemplo da HTA: “Todos temos a obrigação de tratar a hipertensão – os cardiologistas, os internistas, os médicos de família, os nefrologistas...”

“De uma forma geral, a hipertensão primária, que é aquela que prevalece, deve ser abordada por todos, dependendo da realidade de cada hospital. Veja-se o caso do HGO, onde acontece ser a Medicina Interna que está mais dedicada à HTA. No entanto, quando surge um caso com indicação para desnervação renal ele é então discutido de forma multidisciplinar com a Cardiologia”, explica Hélder Pereira, acrescentando:

“Na insuficiência cardíaca é que não faz mesmo sentido que seja apenas a Cardiologia a tratar essa patologia. Há inúmeros doentes acompanhados pela Medicina Interna, muitos mesmo, nomeadamente apresentando IC com fração de ejeção preservada. Aliás, no nosso hospital, a Cardiologia nunca conseguiria abarcar sozinha todos eles…”

Para o presidente da SPC, a solução ideal até deveria passar pela criação de unidades de IC conjuntas, partilhadas por estas duas especialidades, e com o envolvimento da própria MGF. No HGO, adianta, só a falta de espaço não permitiu ainda a criação de um Hospital de Dia único para que ali sejam acompanhados os doentes com IC de ambas as especialidades.

Continuando a basear-se muito no exemplo da realidade do Garcia de Orta, Hélder Pereira destaca a forte ligação da Cardiologia à Medicina Interna, à Pneumologia, à Reumatologia, ou ainda à Nefrologia e à Neurologia, com a existência de várias consultas multidisciplinares designadamente no tromboembolismo pulmonar, hipertensão pulmonar e AVC.



A entrevista completa pode ser lida na última edição do Hospital Público.

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