«O pé diabético é muito negligenciado, até pelo próprio doente»
A especialista de Medicina Interna Mónica Reis considera muito importante sensibilizar as equipas médicas que tratam a diabetes para algo que, apesar de ter “implicações enormes” de vária ordem, “não é devidamente valorizado”: o pé diabético.
“É necessário chamar a atenção para um problema que não é abordado adequadamente no âmbito do tratamento da diabetes, mas que pode ter implicações significativas na vida do doente, a nível pessoal mas também profissional”, alerta a coordenadora do Núcleo de Estudos de Diabetes Mellitus da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (NEDM-SPMI).
Mónica Reis lembra que “há quem deixe mesmo de trabalhar quando uma situação de pé diabético culmina em amputação, afetando profundamente a capacidade laboral dessa pessoa e, naturalmente, a sua qualidade de vida, e com custos óbvios para a sociedade em geral”. E frisa: “É muito negligenciado, até pelo próprio doente!”
A médica, que coordena a Unidade Integrada de Diabetes da ULS do Estuário do Tejo, que inclui o Hospital de Vila Franca de Xira, salienta que o pé diabético “pode ter um impacto bastante negativo, inclusive, representando um peso económico muito elevado. Conduz, por exemplo, a internamentos hospitalares prolongados para tratamento de feridas”.
A próxima Reunião do NEDM-SPMI, que já vai na sua 19.ª edição e se realiza entre os dias 23 e 25 de outubro, em Monte Real, irá dar uma atenção especial ao pé diabético. Aliás, um dos cursos que irá decorrer no âmbito da Reunião debruçar-se-á precisamente sobre o que fazer na prática clínica relativamente ao mesmo.
“Será a primeira vez que o Núcleo organiza um curso sobre esta temática”, frisa a coordenadora do NEDM, chamando também a atenção para a conferência que antecede a sessão de encerramento dos trabalhos, a cargo do presidente da Reunião. Pedro Neves Tavares irá refletir sobre como pode a Medicina Interna contribuir para uma melhor abordagem ao pé diabético.
O impacto da Medicina Interna na gestão da diabetes
É facilmente percetível a razão pela qual a Reunião de 2025 do NEDM-SPMI irá dar destaque a este tema, segundo Mónica Reis, “tantas vezes esquecido e que até pode ser considerado um pouco o parente pobre da diabetes”.
Dá-se a circunstância de a Comissão Organizadora do evento deste ano ser formada pelos internos e especialistas do Serviço de Medicina Interna da ULS da Região de Leiria ligados à diabetes, alguns dos quais muito dedicados à Unidade Multidisciplinar do Pé Diabético. De referir que esta estrutura, que inclui um Hospital de Dia, é coordenada por Diana Fernandes e Pedro Neves Tavares e tem uma função complementar à Unidade Funcional de Diabetes, do mesmo Serviço, que disponibiliza consultas de DM1 e de DM2.
Mónica Reis
O papel da Medicina Interna no tratamento e acompanhamento da pessoa com diabetes é reconhecido, mas o NEDM-SPMI quer ver essa relevância validada, estando a decorrer um estudo nacional de caracterização da população com diabetes tipo 1 seguida nas consultas asseguradas por esta especialidade. “Esperamos poder apresentar em Monte Real pelo menos os resultados preliminares deste levantamento que estamos a realizar”, avança Mónica Reis.
O impacto que esta especialidade tem na gestão da diabetes em Portugal, em particular da DM de tipo 1, é evidente: “Considerando todas as quatro dezenas de ULS existentes, apenas em quatro delas a diabetes tipo 1 não está a cargo da Medicina Interna. Nalguns casos está totalmente sob a nossa dependência, noutros há uma partilha de cuidados com a Endocrinologia, tanto para a DM1 como para a DM2.”
O seu protagonismo nesta matéria tem, aliás, vindo a aumentar, assegura Mónica Reis, “atraindo a área da diabetes cada vez mais jovens internistas, entusiasmados com as soluções, nomeadamente terapêuticas, que temos hoje para oferecer a estes doentes e que não havia há 20 ou 30 anos”.
No entanto, apesar dos protocolos clínicos e das guidelines estarem cada vez mais personalizadas, especificando diferentes tipos de pessoas com diabetes e várias patologias associadas, “há muitos doentes que não encaixam e nos obrigam a arranjar uma solução prática que seja exequível aplicar nessas situações, porque essas pessoas também têm que ser tratadas e cuidadas”, salienta a coordenadora do NEDM-SPMI.
Esse será o tema de uma das mesas-redondas da 19.ª Reunião deste Núcleo, no mesmo dia em que se vai refletir sobre sexo e diabetes. A esse respeito, Mónica Reis chama a atenção para o erro que se comete ao associar imediatamente o tema à disfunção sexual masculina: “As mulheres com diabetes também estão sujeitas a essa problemática e há outros aspetos que fazem parte da vida sexual das pessoas que devem ser igualmente considerados por serem muito importantes para o seu bem-estar.”
Com um programa que inclui alguns assuntos habitualmente não abordados em encontros da área da diabetes, também a conferência de abertura merece ser, nesse aspeto, destacada. Jesús Díez Manglano, internista espanhol da Universidade de Zaragoza, foi convidado para vir falar sobre como alguém pode ver a sua função pulmonar afetada pelo simples facto de ter diabetes.