Mudar a cultura do Hospital Fernando Fonseca, «com resultados para os doentes»

Há cerca de ano e meio à frente do Hospital Fernando Fonseca, na Amadora, Francisco Velez Roxo está determinado em continuar a "transformar a casa com a cooperação de todos" e em desenvolver um novo projeto - o "HFF Transformation".

Um processo de "transformação"

Em entrevista à Just News, o responsável explica que se trata, "na verdade, de um conjunto de subprojetos que possam estruturar, num prazo mais alargado, no horizonte 2020, as alterações necessárias e imprescindíveis ao HFF. É isso que está em marcha".

Quanto aos resultados, e tendo já decorrido alguns meses, indica que existe "um melhor controlo dos custos, outra organização a nível dos processos de trabalho". Contudo, "há ainda dificuldades imensas, nomeadamente, devido à falta de profissionais: médicos, enfermeiros e assistentes operacionais em especial, mas também de bons quadros médios de gestão".

Esclarece ainda que há uma melhoria estrutural, mas do ponto de vista prático, "por exemplo, aumentou o prazo de pagamento a fornecedores, por dificuldades de tesouraria. Sabemos que em gestão não há magia... E a componente dinheiro é sempre a mais visível e mensurável."



Francisco Velez Roxo faz questão de sublinhar que, "sem dúvida, que o maior desafio prende-se com a alteração da imagem do HFF, marcada pelo facto de o Serviço de Urgência ter uma procura excessiva, num Hospital diferenciado, com bons profissionais".

A imagem do "patinho feio"

Ao longo da entrevista, que pode ser lida no Hospital Público de setembro, o presidente do Conselho de Administração do Hospital Fernando-Fonseca não hesita em considerar que a Urgência Geral "teve em alguns momentos, ao longo dos anos, níveis assistenciais muito pobres, para não dizer maus". Afirma mesmo que o que prejudica o hospital "é, em grande parte, resultado da imagem da sua Urgência Geral".

Contudo, recorda que trata-se de uma Urgência "com uma média de 600/700 episódios por dia, podendo atingir picos de 900, o que é, de longe, a realidade mais pesada da ARS de Lisboa e Vale do Tejo. Sem comparação."

Como se pode resolver o problema? "Primeiro, trabalhando e dinamizando soluções inovadoras e partilhadas com outros hospitais", afirma Francisco Velez Roxo, acrescentando:

"Não acredito que, isoladamente, consigamos qualquer resultado positivo a muito curto prazo. Precisamos de funcionar em rede, numa partilha permanente, para a alteração deste paradigma de ´patinho feio` da Urgência. Temos de ser cooperantes."


Conselho de Administração do HFF: Rui Santos (enfermeiro diretor), Márcia Roque (vogal executiva), Francisco Velez Roxo (presidente), Fátima Sena e Silva (vogal executiva) e Helena Isabel Almeida (diretora clínica).

Alterar a articulação com os cuidados primários

No âmbito do projeto de "transformação" em curso, "o Hospital tem de sofrer alterações do ponto de vista estrutural e na dinâmica diária: precisamos de mais médicos, de mais enfermeiros, de mais profissionais da saúde em geral, de um maior número de camas e, sobretudo, de provocar, sustentadamente, a alteração de aspetos críticos das rotinas diárias".

Um dos aspetos do novo rumo traçado pela Administração passa pela necessidade de "melhorar a articulação com os cuidados de saúde primários", contribuindo para reduzir "o tempo de espera, quer nas urgências, como nas consultas externas ou nos exames de diagnóstico e terapêutica".

Refere também que "seria bom ter uma maior articulação em rede desta unidade hospitalar com todas as outras com que se pode relacionar, com base num princípio: o doente está primeiro. Defendo a transformação do Sistema de Saúde para que possam ser prestados melhores cuidados e com mais comodidade, não promovendo egoísmos do género: ´Este é o meu hospital, aquele é o teu.` Os doentes são do SNS."


Hospital com "características únicas em Portugal"


"Trata-se de uma realidade distinta de qualquer outra na Grande Lisboa. Não tem comparação possível", afirma Francisco Velez Roxo, e explica porquê:

"Muitos dos nossos utentes vão trabalhar a Lisboa, mas regressam todos os dias. As pessoas que habitam o centro da capital (cerca de 500.000) são tantas como as que encontramos aqui (quase 600.000)... Estamos inseridos numa zona simultaneamente rural, industrial e de serviços. Curiosamente, mesmo aqui ao lado do edifício do Hospital, temos até hortas sociais!"

Por outro lado, a unidade hospitalar está inserida numa região "onde vivem migrantes internos de todo o País, famílias dos PALOP, imigrantes de Leste... O que é enriquecedor e desafiante, mas tem um reconhecimento pouco claro no SNS. Aqui, a pressão assistencial é muito grande."



Francisco Velez Roxo alerta ainda para outra realidade: "Aqui vivem não só os portugueses que para cá se mudaram há 40 anos, mas também os seus pais, hoje idosos, que vieram da província (Alentejo e Beiras em especial), quando se esperava que acontecesse precisamente o contrário."

E sublinha: "Temos de ter tudo isto em atenção na conceção de uma nova medicina, num novo Hospital Fernando Fonseca e num renovado SNS."


"Um hospital mal planeado"

Quando, em junho de 2016, aceitou o convite do ministro da Saúde para liderar o Hospital Fernando Fonseca, Francisco Velez Roxo e a sua equipa começaram a implementar um projeto, tendo presente uma realidade muito particular, "por duas razões":

"Quando, em 2009, este hospital regressou ao modelo de gestão pública, manteve mecanismos e processos de trabalho completamente indexados àquilo que era a gestão privada. Tal não tinha mudado, de acordo com as regras inevitáveis que são gerir a coisa pública."

Por outro lado, e sendo este o aspeto considerado "talvez o mais crítico", o administrador hospitalar destaca o facto "de ser um hospital mal planeado em termos de capacidade, pois, foi pensado para servir 250 a 300 mil pessoas e acabei por verificar que são cerca de 550 mil os utentes potenciais na zona de referenciação".

Essa realidade tem, inclusive, "efeitos negativos na comparação a que estamos sujeitos com unidades hospitalares que são organizações mais estáveis e não sofreram estas mutações".



Profissionais "com vontade de fazer coisas"

Entre estas e outras adversidades, referidas na entrevista, Francisco Velez Roxo destaca "um lado positivo no meio de tudo isto: por sermos um hospital novo (1995), recebemos profissionais com mente aberta, com vontade de fazer coisas e de praticar a diferenciação assistencial. Além disso, temos uma casuística de doentes e de doenças muito importante em termos assistenciais."

Assim, refere que "este Hospital, que até tinha bons resultados económicos e financeiros e valores interessantes a nível assistencial, é um verdadeiro case study nacional."

Relativamente ao papel dos profissionais, reforça a ideia de que "o HFF atrai de forma particular os jovens médicos, nomeadamente os internos, e isso explica-se porque aqui podem aprender muito, enquanto num grande hospital não têm essa possibilidade de forma tão imediata".

Na sua opinião, "o desafio é fazer com que esses médicos venham um dia a trabalhar no HFF, após o internato e a especialização".

Questionado sobre qual o principal foco da Administração do HFF neste momento, Francisco Velez Roxo não hesita: "mudar a cultura desta organização, com resultados para os doentes e para o SNS como um todo", acrescentando: "Acredito ser possível promover uma gestão equilibrada, polivalente e participada."


A entrevista completa pode ser lida na edição de setembro do Hospital Público.

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