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Medicina Interna e MGF «devem aliar-se na abordagem ao doente crónico»

O presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), Luís Campos, proferiu a conferência de encerramento do 20.º Congresso Nacional de Medicina Geral e Familiar, no último domingo, em Castelo Branco. O especialista advertiu para a necessidade de a Medicina Interna e a Medicina Geral e Familiar (MGF) se “aliarem, criarem sinergias e serem protagonistas” na abordagem ao doente crónico.

Debruçando-se sobre o tema “Que desafios para o futuro dos cuidados ao doente crónico?”, o diretor do Serviço de Medicina do Hospital de São Francisco Xavier, Centro Hospitalar Lisboa Ocidental começou por apresentar o caso da “Dona Rosa”, uma doente internada no Serviço que dirige, por ser representativo do tipo de doentes que são acompanhados no sistema de saúde português e a quem é preciso dar resposta. No último ano, esta doente teve diversos episódios de contacto com o sistema (10 idas à Consulta de MGF, 20 idas ao Serviço de Urgência, um internamento e quatro idas a consultas hospitalares).

Segundo o também presidente do Conselho Nacional para a Qualidade em Saúde, o tratamento e a abordagem destes doentes é o desafio mais importante que todos os sistemas de saúde têm no século XXI, sendo certo que “ninguém tem uma solução milagrosa”.

Luís Campos defendeu que uma das áreas em que a MGF e a Medicina Interna podem colaborar é a da promoção da saúde, prevenção da doença e capacitação dos doentes. “É preciso ter em atenção que os cuidados de saúde determinam apenas 10% da saúde das pessoas”, apontou, mencionando que os comportamentos de risco, o ambiente, a genética e as circunstâncias sociais são outros dos fatores que têm influência.



Outro dos desafios da atualidade é promover uma melhor utilização dos serviços de saúde. Luís Campos advertiu que Portugal é o país da OCDE que mais recorre às urgências e o que é preocupante é que 40% dos doentes que acedem à urgência são triados como não urgentes ou pouco urgentes. Por outro lado, “há um excessivo recurso direto às subespecialidades” e uma “pressão para a prescrição de exames complementares”.

O trabalho de parceria entre ambas as especialidades deveria passar, ainda, na sua opinião, pelo envolvimento de especialistas em MGF e internistas na elaboração e implementação das normas de orientação clínicas (NOC) e pela criação de NOC específicas para doentes com multimorbilidades, sendo que “as atuais NOC centradas em doenças são inadequadas para a grande maioria dos doentes que tratamos”. Conforme referiu, “o NICE já o fez e nós deveremos caminhar no mesmo sentido”.

Segundo mencionou o presidente da SPMI, até aqui, as normas têm sido elaboradas por grupos de especialistas de órgão ou sistema, que não integram elementos provenientes da Medicina Interna e da MGF e que se direcionam apenas para uma patologia, como acontece, por exemplo, com a diabetes mellitus tipo 2 no adulto, sendo que a norma da DGS para a abordagem terapêutica farmacológica desta doença foi desenvolvida apenas por endocrinologistas e um representante da DGS. Acontece que grande parte das consultas de diabetes é assegurada pela Medicina Interna ou pela MGF.

O outro desafio colocado a ambas as especialidades prende-se com a realização de projetos de investigação conjuntos. Muitos dos outcomes da atividade desenvolvida nos cuidados de saúde primários avaliam-se através das admissões na urgência e nos internamentos hospitalares e o contrário também é verdadeiro.

Garantir a continuidade de cuidados através de programas integrados


Para Luís Campos, “é imperioso transformar a forma atual de tratar os doentes crónicos, fragmentada, reativa, baseada nos episódios agudos, através das urgências, e passarmos a ter uma atitude proativa, garantindo continuidade de cuidados através de programas integrados que envolvam médicos de Medicina Interna e de MGF e outras profissões, em que o doente é encarado como um parceiro de cuidados”.


Na sua opinião, o nosso sistema de saúde “é esquizofrénico”, sendo que “ou está tudo juntinho nas unidades locais de saúde (ULS), que têm o mesmo conselho de administração, ou há hospitais separados dos cuidados de saúde primários”. E os resultados das sucessivas avaliações não são favoráveis às ULS.

“Não basta juntar as instituições, criar a mesma administração para garantir articulação e continuidade dos cuidados e também não é a independência gestionária das organizações que impede a criação de parcerias ou alguma forma de integração de cuidados. Uma resposta adequada implica a estratificação do risco das populações e uma prestação diferenciada de cuidados de acordo com este risco”, referiu.



Centros de saúde e hospitais transformados em “centros de resolução de problemas sociais”

De acordo com o internista, neste momento, os centros de saúde e os hospitais, particularmente os serviços de Medicina, estão “transformados em centros de resolução dos problemas sociais das pessoas”, pelo que “é urgente pensar os problemas de saúde das pessoas conjuntamente com os problemas sociais”.

O médico frisou, ainda, que é fundamental melhorar a comunicação entre especialistas em MGF e internistas, a partilha de registos clínicos, assim como um melhor aproveitamento das tecnologias de informação de comunicação.

Finalmente, referiu as potenciais sinergias entre as duas especialidades ao nível do desenvolvimento de programas de formação, “porque as doenças e os doentes que tratamos são os mesmos”.



Estiveram também presentes na cerimónia de encerramento do 20.º Congresso Nacional de Medicina Interna, Henrique Botelho, coordenador Nacional para a Reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na área dos Cuidados de Saúde Primários (em representação do ministro da Saúde), Luís Correia, presidente da Câmara Municipal de Castelo Branco, José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos, Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, e Susete Simões, presidente do evento. A sessão foi conduzida pela médica Filipa Candeias Santos, da Comissão Organizadora.


Rui Nogueira, José Manuel Silva e Luís Campos.

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