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«A hipertensão já é uma pandemia, mas em que o contágio é cultural»

Uma característica “fundamental” que Luís Bronze faz questão de destacar relativamente à Sociedade Portuguesa de Hipertensão é o facto de ser “muito inclusiva”, conseguindo “congregar, de forma harmónica, especialistas de diferentes áreas”, com destaque para cardiologistas, internistas e médicos de família.

Aliás, quando o recém-empossado presidente terminar o seu mandato, por alturas da primavera de 2023, suceder-lhe-á a especialista de Medicina Geral e Familiar Rosa Maria de Pinho.

"Queremos servir a população"

É sabido que as sociedades médicas são, tradicionalmente, de natureza científica, mas Luís Bronze diz que não se cansa de repetir que a SPH “tem uma obrigação maior, servir a população”. Porquê? “É que a hipertensão é o fator de risco cardiovascular mais importante, sem dúvida, o mais prevalente. E a verdade é que a mortalidade nos países desenvolvidos, de que nós não escapamos, é sobretudo de causa cardiovascular.”


Tomada de posse da nova Direção da SPH

Para o nosso entrevistado, “a HTA tem algumas similitudes com a covid-19 porque ela já é uma pandemia, a única diferença é que o contágio não é feito por um vírus, ele é cultural”. E como é que se combate?

“Com medidas que conduzam à alteração do estilo de vida. Essa tem que ser a ação principal dos grupos científicos dedicados às doenças ditas civilizacionais: a hipertensão, a aterosclerose, a diabetes...”

Luís Bronze fala em “combate inesgotável”. Mas também confessa o seu otimismo, tendo em conta o que se tem conseguido em Portugal, nomeadamente em relação à mortalidade
cardiovascular, que era de 40% nos anos 90 e que agora se situa nos 29-30%. As medidas que foram sendo tomadas ao nível do tratamento e da prevenção ajudarão a explicar essa descida.



“A maior parte dos fármacos cardiovasculares que hoje se prescrevem são, por uma larga margem, para a pressão arterial. Houve aqui, portanto, um movimento de mudança”, sublinha o cardiologista, recordando que a SPH teve grande responsabilidade, por exemplo, na alteração da “lei do sal” relativamente ao fabrico de pão.

Avaliar o efeito da pandemia nas pessoas hipertensas Luís Bronze assegura que grande parte dos hospitais do SNS está sensibilizada para a questão da HTA: “Muitos já têm a sua Consulta de Hipertensão, alguns dentro da Medicina Interna, outros na Cardiologia, e há até hospitais em que a Consulta é partilhada, que é, aliás, uma solução bastante boa.”

Mas chama a atenção para o facto de que “boa parte dos doentes, quer na fase de avaliação diagnóstica, como na de tratamento, é acompanhada, e ainda bem, por médicos de família, sendo referenciados para a Consulta de Hipertensão no hospital apenas nos casos em que há razão para isso”.

Essa referenciação é fácil de se concretizar? O presidente da SPH cita o exemplo do CH Universitário Cova da Beira, em que no Hospital Pêro da Covilhã foi criada uma Consulta
Aberta de Hipertensão, gerida pelo internista Miguel Castelo-Branco e pelo cardiologista Manuel Carvalho Rodrigues. “Qualquer médico de família pode referenciar um doente que apresente dificuldade no controlo da pressão arterial, sendo atendido sem marcação”, explica.


Luís Bronze: “Se a Sociedade Portuguesa de Hipertensão não tiver um papel fundamental junto da população não estará a cumprir o seu dever. Falhou!”

E que efeitos terá tido a pandemia covid-19 na pandemia HTA? “Os fatores que agravaram a situação relativamente à hipertensão e, secundariamente, à doença cardiovascular,
prendem-se com o facto de que as pessoas têm passado muito tempo em casa. Fazem menos exercício físico, frequentemente comem pior, a obesidade aumenta, a hipertensão agrava-se. É possível que o consumo de sal tenha aumentado, mas ninguém sabe! Também se estima que as pessoas fumaram mais. E depois há uma componente psicossocial de ameaça e de pressão que também é perniciosa.”

Mas nem tudo foi mau! Luís Bronze refere-se aos denominados “novos fatores de risco”, entre os quais a poluição e o sono: “Por um lado, houve menos poluição e, por outro, as pessoas tiveram, provavelmente, mais horas de sono, sendo certo que está demonstrado que dormir menos do que é suposto está associado a obesidade.”

De acordo com um artigo científico recentemente publicado, o ideal será dormir umas 7 horas por noite. O presidente da SPH sublinha haver uma diferença fundamental entre a “pandemia do vírus” e a “pandemia cardiovascular”. Enquanto no primeiro caso “o percurso desde o contágio até à eventual morte pode ser relativamente curto, na HTA esse percurso é basicamente o mesmo, a questão é que demora bastante mais tempo”.

“Vamos avaliar nos próximos anos o efeito que a pandemia covid teve nas pessoas hipertensas. De acordo com muitos colegas meus, e eu tendo a concordar com eles, o nível de mortalidade já é visível”, afirma Luís Bronze.



SPH aberta à entrada de enfermeiros

Luís Bronze é perentório: “A SPH está aberta a qualquer profissional, nomeadamente enfermeiros, desde logo os que estão particularmente dedicados à HTA.” Afirma não ver razão para que a Sociedade Portuguesa de Hipertensão não possa acolher também cardiopneumologistas, nutricionistas, farmacêuticos…

É verdade que os enfermeiros têm um papel importante e o que eu advogo é que devemos trabalhar sempre em equipa. Aliás, se dúvidas houvesse, a pandemia veio mostrar isso mesmo”, conclui.



Atividade militar, clínica, académica e associativa


Luís Carlos Bronze dos Santos Carvalho, de seu nome completo, nasceu em Azeitão, no distrito de Setúbal. Comodoro médico naval, é cardiologista com o grau de consultor da carreira médica hospitalar, sendo, atualmente, o diretor de Saúde da Marinha Portuguesa. É doutorado em Medicina/Cardiologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, sendo professor auxiliar e coordenador do Bloco Cardiocirculatório do Mestrado Integrado de Medicina da Universidade da Beira Interior.

Entre outros cargos, é coordenador da Linha de Investigação da Saúde no Centro de Investigação Naval, na Escola Naval. Diretor de Saúde da Marinha Portuguesa desde 26 de julho de 2018, é investigador integrado do Centro de Investigação e Desenvolvimento do InstitutoUniversitário Militar.

No passado, foi cardiologista do Hospital da Marinha, subdiretor do Centro de Medicina Naval e responsável pela Secção de Cardiologia dessa instituição. Foi igualmente chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital das Forças Armadas - Polo de Lisboa, diretor deste mesmo Polo e, por inerência, subdiretor daquele grupo hospitalar militar, que inclui o Polo do Porto.

Iniciou em abril um mandato de dois anos como presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão.

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