Doenças autoimunes «precisam de unidades multidisciplinares transversais»

O Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes (NEDAI), da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, realiza esta semana, em Elvas, a sua XXII Reunião Anual. Para o seu coordenador, António Marinho, internista da Unidade de Imunologia Clínica do Hospital de Santo António/Centro Hospitalar do Porto (CHP), o grande desafio da Medicina atual é "tentar que o Sistema Nacional de Saúde (SNS) continue a funcionar de forma universal e com equidade".

Em entrevista à Just News, que será publicada no Jornal da XXII Reunião do NEDAI, a ser distribuído aos participantes, afirma que o Núcleo é "claramente favorável à criação de unidades multidisciplinares transversais de doenças autoimunes, ou seja, que incluam a maioria das especialidades que se dedicam a esta área".

Considera ser evidente que "há centros e zonas do País onde isso é verdadeiramente impossível, por falta de especialistas e de valências fundamentais", pelo que "há doentes que provavelmente terão de se deslocar ou então os nossos serviços deslocarem-se, nem que seja por videoconferência, para que essa rede funcione".

No entanto, indica, "não vejo necessidade de ter 20 centros multidisciplinares. Tendo quatro centros, é necessário que funcionem em rede. Também não vejo viabilidade que os hospitais mais periféricos, com menos densidade populacional e com menos valências, de repente as criem para dar resposta só a esta área. O importante é que estejam relacionados com um dos centros que lhe possa dar resposta."



"Tratar bem dos doentes permite reduzir custos indiretos posteriores"

O internista salienta que "o grande desafio da medicina atual é tentar que o SNS funcione de forma homogénea e equitativa". Assim, considera ser "uma obrigação dos médicos tentar que as pessoas tenham mais ou menos o mesmo acesso à inovação e que o acesso não seja equitativo nos decretos-lei".

António Marinho não tem dúvidas de que "a nossa luta é mostrar que tratar bem os doentes, com boas práticas, com uma boa relação custo-benefício, mesmo que tenha um custo direto elevado, permite que os custos indiretos posteriores reduzam substancialmente e as pessoas até possam deixar de ser reformadas muitíssimo cedo, estar metade de um ano de baixa, consumir próteses, endopróteses, etc. Devemos tratar de acordo com o estado da arte, o que, nas nossas doenças, estamos convictos de que traz um benefício aos doentes e ao Estado."


Rede de referenciação adequada

Questionado sobre se a realidade atual das consultas que existem a nível nacional é muito diferente do que acontecia há uma década, António Marinho explica que, "há dez anos havia algumas consultas dispersas por todo o país que se foram organizando e foi-se constituindo um núcleo duro de médicos com experiência".

E acrescenta: "Atualmente, julgo que, mais do que consultas, temos uma rede de serviços que funciona. Em Bragança, Vila Real, Castelo  Branco e Covilhã as consultas são em menor número, mas têm, claramente, apoio dos grandes centros para a discussão multidisciplinar. Na minha opinião, o NEDAI tem uma rede de referenciação adequada, dispersa pelo país, capaz de receber os doentes do foro autoimune e oferecer os melhores cuidados."



Registo Nacional de Doenças Autoimunes: Apresentação pública de dados

António Marinho tomou posse da Direção do NEDAI em abril de 2015. Relativamente ao balanço que faz do trabalho que tem sido desenvolvido até aqui, afirma que "um dos objetivos prendia-se com a implementação regular e sistemática do Registo Nacional de Doenças Autoimunes de doentes tratados por internistas".

Esclarece que esse registo existe online, "é muito completo, mas ainda não havia uma apresentação pública regular de dados do mesmo. Era uma necessidade do ponto de vista estratégico e uma obrigação legal, dado o uso de terapêuticas biotecnológicas. Apresentaremos o primeiro balanço público nesta Reunião e depois terá uma periodicidade semestral."


Outro dos pontos programáticos "era o desenvolvimento de uma rede de competências que responda ao pedido europeu de criação de redes de doenças autoimunes e raras. Estamos a tratar de colaborar numa rede europeia de doentes com lúpus e, há alguns dias, entregámos um draft numa tentativa de participação na rede europeia para a doença de Behçet".



Nascido em 26 de agosto de 1973, no Porto, António Marinho fez todo o seu percurso académico nesta cidade. Licenciou-se em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (1997) e fez os internatos (Geral e Complementar de Medicina Interna) no Hospital de Santo António, tendo-se tornado especialista em Medicina Interna em 2005.

Faz consulta de doenças autoimunes desde 2004, no CHP, e está dedicado às doenças autoimunes a tempo inteiro há três anos, desenvolvendo a sua atividade na Unidade de Imunologia Clínica do Hospital de Santo António.

Escolheu dedicar-se às doenças autoimunes muito por influência do seu orientador de formação, tendo percebido depois que era uma “área do ponto de vista técnico e científico muito desafiante”, onde havia um conhecimento muito curto e muito pouca gente a tomar conta destes doentes.

“Fascinou-me este pequeno mundo novo, em que temos a hipótese de tratar os doentes com insuficiência cardíaca, insuficiência renal, diabetes, risco vascular global e que têm uma doença autoimune”, refere, acrescentando que, na sua opinião, a doença autoimune sistémica com muita comorbilidade é o doente típico da MI, enquanto “alguns doentes com patologias autoimunes mais específicas de órgão que não têm grandes comorbilidades poderão ser doentes de outras especialidades”.


Ao longo da entrevista, António Marinho desenvolve vários outros temas relacionados, nomeadamente, com a criação da competência em doenças autoimunes, que "deve ser transversal e transitória, que obrigue à formação contínua", as ações desenvolvidas pelo Núcleo no âmbito da formação e os maiores desafios que se colocam nesta área, sendo que "o paradigma do tratamento destas patologias mudou radicalmente". São ainda abordados, naturalmente, aspetos e novidades relacionados com a XXII Reunião Anual do NEDAI.

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