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Diagnosticar a hipercolesterolemia familiar em idade pediátrica para evitar futuras complicações

A hipercolesterolemia familiar (HF) é uma doença genética comum, dentro do contexto metabólico, muitas vezes subdiagnosticada e que implica um risco cardiovascular de início precoce, quando não é desencadeado o tratamento mais adequado com a devida rapidez.

Tal motivou a realização de um debate sobre o tema durante as XXVIII Jornadas de Pediatria do Hospital de Santa Maria, e à importância do seu diagnóstico e tratamento precoce da HF, logo em idade pediátrica, com vista a "intervir com resultados positivos na evolução da doença cardiovascular"

Mafalda Bourbon, coordenadora da Unidade de Investigação e Desenvolvimento do Departamento de Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças não Transmissíveis do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), partilhou no evento dados do Estudo Português de HF. O trabalho decorre desde 1999 e envolveu, até ao presente, 95 médicos de 49 hospitais e clínicas.

“Entre 1999 e 2021, recebemos no laboratório mais de 3300 casos, que englobam 1163 famílias. Encontrámos uma variante patogénica ou provavelmente patogénica em 988 indivíduos, divididos entre 344 crianças e 644 adultos. A análise dos dados revela-nos ainda que 18% dos adultos com HF confirmada têm igualmente doença cardiovascular prematura. Quando comecei o estudo, assinalámos 80% de doentes de HF com doença cardiovascular prematura, pelo que a percentagem desta prevalência tem vindo a diminuir bastante com os anos, após a introdução das estatinas. Julgo, aliás, que se identificássemos todas estas crianças em idade pediátrica, como deveríamos, tal percentagem baixaria para quase zero, na medida em que as crianças passariam a ser tratadas desde muito jovens”, avançou a investigadora.



Mafalda Bourbon

Entre os casos estudados em laboratório, no contexto deste estudo, foram identificadas 41% de pessoas com HFHe, 1% com HFHo, 1% sem HF, mas com outras doenças monogénicas, 20% com valores de Lp(a) elevados, 12% com score poligénico (PRS) elevado e 25% sem qualquer justificação para ter o colesterol LDL com valores anormais. No que respeita às variantes, os resultados surgem em linha com a evidência recolhida internacionalmente, com 94% dos casos com variantes patogénicas ou provavelmente patogénicas no gene LDLR, 5% com variantes no gene APOB e 1% no gene PCSK9.

“Durante estes quase 24 anos de estudo, só conseguimos detetar perto de 5% dos 20 mil casos que se estima existirem em Portugal, considerando uma prevalência conservadora de 1/500. E relembro que, na maioria dos países europeus, a prevalência já é apontada para um rácio de 1/250 (algo que pode fazer também sentido no nosso país, a partir do momento em que começamos a detetar cada vez mais casos homozigotos). O que significa que, se aceitarmos uma prevalência de 1/250, teremos 40 mil casos em Portugal e somente 2,5% identificados. Estamos muito longe de atingir uma percentagem razoável de doentes diagnosticados e penso que uma das grandes oportunidades que temos pela frente passa por começar a identificação destes doentes em idade pediátrica, algo que mudaria de forma radical o cenário atual”, frisou Mafalda Bourbon.

A investigadora do INSA acrescentou haver variadas formas de incrementar a identificação dos doentes com HF no nosso país e que é preciso lançar mão de todos os recursos possíveis: “A Norma 010/2013 da Direção-Geral da Saúde, que abre as portas ao rastreio oportunista pediátrico, é a nossa maior arma e a generalidade dos países europeus não dispõe da mesma. Infelizmente, não está a ser implementada como deveria ser, mas é fundamental que insistamos na sua aplicação.”

Mafalda Bourbon acredita que entre outros esforços úteis para a identificação precoce de indivíduos com HF se poderá incluir um rastreio direcionado para pessoas que sofreram um enfarte agudo do miocárdio prematuro e respetivas famílias, iniciativas ad hoc de rastreio realizadas nos centros de saúde e, por último, o Rastreio Pediátrico Universal Europeu.

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