«As camas hospitalares são um bem precioso e finito, que temos obrigação de não desperdiçar»
Quem o diz é João Araújo Correia, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), no decorrer da 9.ª Conferência de Valor da APAH, subordinada ao tema “Construir o Futuro da Saúde”.
João Araújo Correia
Com um misto de “desilusão e esperança” face à realidade atual, o internista acredita que o barómetro dos internamentos sociais pode ser melhorado com a criação de pontes entre os ministérios da Saúde e da Segurança Social.
João Araújo Correia, presidente da SPMI, foi um dos comentadores da sessão “Como construir um novo ecossistema de governação saúde e social – Apresentação do barómetro dos internamentos sociais” e começou por mostrar o seu desalento relativamente ao facto de “nada ter mudado de forma significativa, apesar de as conclusões dos barómetros anteriores já devessem ter acordado todas as consciências”.
Os dados que referiu explanam o seu sentimento: quase 120 mil dias de internamento inapropriados, doentes covid-19 com 18% de internamentos sociais e um desperdício calculado de 184 milhões de euros em 2020. Mais: “A política de redução de camas hospitalares seguida nos últimos anos levou a que Portugal tivesse hoje 339,3 camas por 100 mil habitantes, quando a média da União Europeia é de 541,4, e da Alemanha é de 800,2.”
No caso da Medicina Interna (MI), fala numa “taxa de ocupação superior a 100%, com muitos doentes internados vários dias no Serviço de Urgência à sua responsabilidade”. Recuperando informação da 5.ª edição do Barómetro, de março de 2020, os serviços de MI estavam responsáveis por mais de 26% de doentes além da sua lotação base, sendo que 73% das camas extra se encontravam nas Urgências.
Inquérito da SPMI a 17-3-2021: Doentes internados com alta clínica e camas extra nos serviços de Medicina:
Do total de doentes, 14% mantinham-se internados com alta clínica, a aguardar vaga na Rede Nacional de Cuidados Continuados, em Cuidados Paliativos ou em lares da Segurança Social.
O presidente da SPMI realçou ainda um estudo semelhante realizado num período pré pandemia, em fevereiro de 2020, cujos resultados caracterizou como “o paradigma da incongruência”.
Enquanto no período pandémico se assistiu a uma “drástica diminuição das listas de espera pela absoluta necessidade de camas hospitalares para doentes covid e não covid-19”, a realidade anterior era diferente e aquele estudo mostrou que 25% das camas da MI estavam ocupadas por doentes com alta clínica, enquanto os internistas assumiam mais 36% de camas extra, distribuídas pelos hospitais.
Com a redução do número de infetados, João Araújo Correia afirma estar a assistir ao “retorno do atraso da resposta da Segurança Social, com o aumento progressivo dos tempos de espera”, defendendo a necessidade de “criação de pontes de união entre os ministérios da Saúde e da Segurança Social”. Até porque, como complementa, “não existe uma saúde plena em condições sociais miserabilistas.
Por outro lado, “temos de concluir pela necessidade de um aumento significativo das camas hospitalares, porque a evolução demográfica e a polipatologia aumentam significativamente a demora média do internamento”.
João Araújo Correia admite ser “curioso que a esperança na criação de soluções concretas para este flagelo venha só da pandemia de covid-19”, mas facto é que “dolorosamente, tivemos de aprender que as camas hospitalares são um bem precioso, finito, que temos obrigação de não desperdiçar”.
Ao lado do internista, foram também comentadores da sessão Manuel de Lemos, presidente do Secretariado Nacional da União das Misericórdias Portuguesas, e Maria Júlia Cardoso, presidente da Associação dos Profissionais de Serviço Social. A moderação coube a Alexandre Lourenço, presidente da APAH, enquanto Miguel Amado, partner da Ernest&Young, foi o orador.
A 9.ª Conferência de Valor da APAH é presidida por José Carlos Lopes Martins, sócio de mérito e presidente da APAH entre 1986 e 1989. Realizada em formato híbrido, em Lisboa e online, a conferência termina esta sexta-feira.