«Apenas 50% dos hipertensos mantêm a terapêutica prescrita após um ano»

A falta de adesão ao esquema terapêutico definido é “uma das principais barreiras ao controlo da hipertensão”, alerta o internista Luís Nogueira Silva, que realça o “grande impacto” que tem no doente mas também no próprio Sistema de Saúde.

A proporção de pessoas cuja hipertensão arterial (HTA) está controlada tem vindo a melhorar em Portugal. Seria de 10%, em 2004, de acordo com o estudo PAP, e terá subido para 40%, em 2014, segundo o estudo PHYSA.

“É provável que essa percentagem tenha continuado a aumentar desde então, mas ainda é, com certeza, claramente insatisfatória”, garante Luís Nogueira Silva, 42 anos, que integra o Grupo de HTA do Serviço de Medicina Interna da ULS de São João e é secretário-adjunto do Norte da Sociedade Portuguesa de Hipertensão.

Tendo em conta que cerca de 40% da nossa população adulta tem HTA, o cenário é deveras preocupante. Segundo o nosso entrevistado, que é especialista em Hipertensão Clínica pela Sociedade Europeia de Hipertensão e docente e investigador na FMUP, “existem várias explicações para este fenómeno, sendo que em apenas uma pequena parte dos casos se trata de uma doença biologicamente difícil de controlar”.

“Frequentemente, a falta de controlo está relacionada com o próprio doente, por má adesão à terapêutica, consumo excessivo de sal, uso de fármacos ou substâncias que elevam a pressão arterial, mas também com o médico, devido a inércia terapêutica ou a má escolha de fármacos”, refere Luís Nogueira Silva, fazendo questão de lembrar que quando se fala em tratamento este inclui, para além da componente farmacológica, as medidas associadas à prática de um estilo de vida mais saudável.

“Vários estudos mostram que, ao fim de um ano, apenas cerca de 50% dos doentes mantêm o esquema terapêutico conforme prescrito”, sublinha, deixando explícito o seguinte:

“O conceito de adesão distancia-se da visão paternalista de cumprimento de um plano de tratamento, na medida em que pressupõe uma abordagem assente na educação para a saúde e partilhada entre o profissional e o doente. Este tem que compreender a doença e a pertinência das intervenções, que devem ter em conta, na medida do possível, as suas preferências e valores.”

“Para além de valorizar o papel do doente, a discussão de um plano de tratamento possibilita identificar barreiras, receios e crenças. Esta discussão aberta permite criar uma parceria terapêutica, contribui para a adesão e facilita a abordagem da questão em momentos subsequentes”, esclarece Luís Nogueira Silva.

A importância da capacitação do doente para compreender o tratamento e para a automonitorização

É um facto que a falta de adesão ao tratamento é um fenómeno comum a todas as doenças crónicas, possivelmente mais evidente em patologias assintomáticas como a HTA, em que o doente tem menos perceção do benefício dele decorrente, sendo que no caso da hipertensão afeta todas as classes farmacológicas de forma semelhante.


Luís Nogueira Silva: “A percentagem de doentes com a sua hipertensão controlada é claramente insatisfatória”

“Compreensivelmente, a falta de adesão ao tratamento tem um grande impacto, tanto a nível individual como no respeitante ao Sistema de Saúde. No caso do doente, torna difícil tratar a HTA, aumentando o risco de ocorrência de eventos cardiovasculares.

Além disso, pode levar o médico a acreditar que houve falência do esquema terapêutico e a optar por alternativas farmacológicas que podem ter menos benefícios e mais efeitos laterais. Do ponto de vista do Sistema de Saúde, a falta de adesão aumenta os gastos, seja pelo tratamento de eventos cardiovasculares evitáveis como pelo consumo desnecessário de recursos em diagnóstico/investigação”, afirma Luís Nogueira Silva.

Um dos principais obstáculos na prática clínica quando se lida com a HTA é a dificuldade em medir a adesão à terapêutica, desde logo porque, “para além da entrevista clínica, os únicos instrumentos disponíveis na maior parte dos enquadramentos são os questionários”. E estes “têm várias limitações metodológicas no seu desenvolvimento, acabando muitas vezes por sobrestimar a adesão. Isto porque a maioria dos doentes tende a enviesar as suas respostas no sentido do que é entendido como sendo socialmente desejável”.

Para além disso, acrescenta ainda o internista, os referidos questionários “tendem a considerar a adesão  como um fenómeno estático e, por isso, são pouco sensíveis a padrões de não adesão intermitente, nomeadamente omissões ocasionais, ou a adesão a alguns fármacos e não a outros”.

Luís Nogueira Silva explica que os restantes instrumentos que permitem a medição objetiva da adesão estão, na generalidade, restritos à investigação. Incluem a contagem de comprimidos, aparelhos como os medication event monitoring systems (MEMS), a toma observada e a determinação da presença de metabolitos dos fármacos prescritos no sangue ou na urina.

O especialista de Medicina Interna diz serem indispensáveis estratégias que contribuam para aumentar a adesão, insistindo na importância da comunicação assente na educação do doente e no seu envolvimento na definição do plano terapêutico:

“Está demonstrado que a capacitação do doente para compreender o tratamento mas também para a automonitorização conduz a um melhor controlo da HTA, em grande parte por contribuir para a adesão à terapêutica que lhe foi prescrita.”

“As tecnologias mobile, assentes no uso generalizado de smartwatches, e os wearables poderão corresponder a oportunidades de se encontrar novas formas de capacitar e envolver os doentes na gestão das suas patologias crónicas, possivelmente com melhor adesão ao tratamento e, assim, um mais eficaz controlo das mesmas”, pensa Luís Nogueira Silva.



A notícia completa pode ser lida no Jornal Médico de dezembro 2025.

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