Opinião
«Procuramos abordar a saúde sexual em toda a tipologia de consultas»
Ana Carina Sá
Especialista em Medicina Geral e Familiar, com Pós-Graduação em Sexologia Clinica. USF Vila Presépio (Centro de Saúde Alenquer)
Paulo Gonçalves
Médico interno de MGF na USF Vila Presépio
Como o Dia Mundial da Saúde Sexual é no dia 4 de setembro, queremos aproveitar esta oportunidade para chegar mais perto dos profissionais de saúde, sobretudo nos Cuidados de Saúde Primários.
O Dia Nacional da Saúde Sexual foi aprovado em 2010 no parlamento nacional e Portugal tornou-se no primeiro país, em todo o mundo, a instituir oficialmente um Dia Nacional da Saúde Sexual, reconhecendo a saúde e os direitos sexuais como uma prioridade.
A hierarquia de necessidades de Maslow proposta no artigo "A teoria da motivação humana", publicado em 1943, define cinco categorias de necessidades humanas: fisiológicas, segurança, afeto, estima e as de autorrealização.
Esta teoria é representada por uma pirâmide onde na base se encontram as necessidades mais básicas diretamente relacionadas com a sobrevivência. E vejam que, tão importante como o sono e a alimentação, está a nossa saúde sexual – é um pilar da saúde, não só no tratamento das patologias, mas também na prevenção das mesmas.
A Saúde Sexual inclui o bem-estar físico, mental e social. Se pensarmos na saúde desta forma abrangente, não nos devemos esquecer de a abordar nas várias idades, desde a adolescência, à fase geriátrica. Em vez de evitar o desconforto desta temática tão íntima, devemos, como profissionais de saúde, procurar melhorar as nossas próprias competências a nível de consciência, competências e conforto.
Apenas quando estamos em sintonia com os nossos próprios valores em torno da sexualidade, poderemos ajudar os utentes a explorar os deles através de intervenções individuais, mesmo perante problemáticas de casal.
Questionário
Neste contexto, fizemos um breve questionário aos médicos e enfermeiros da nossa unidade para avaliar a perceção dos profissionais quanto à sua competência para abordar questões de sexualidade.
Concluímos que apenas 46% se sentem confiantes na sua capacidade de abordar a saúde sexual; que 46% não tinha questionado queixas sexuais a nenhum utente no último mês sem que esse fosse o motivo da consulta, e que 92% o tinham feito a menos do que 5 utentes no mesmo período. Paralelamente, 92% dos profissionais da unidade consideram que existe falta de formação na área da sexualidade, que é uma lacuna formativa importante e que prejudica a avaliação e orientação dos utentes.
Dada a minha (Ana Carina Sá) formação em Sexologia Clínica, temos tentado abordar esta matéria em toda a tipologia de consultas, quer os doentes tenham queixas específicas ou não. E o que verificamos é um aumento da confiança dos profissionais e dos utentes na equipa, bem como na qualidade de cuidados de saúde de prevenção de disfuncionalidades familiares, doenças sexualmente transmissíveis e patologia cardiovascular.
Utilizando modelos como ferramentas, podemos avaliar a prontidão e capacidade para lidar com questões sexuais, apoiar a dignidade e autonomia e colaborar com outros profissionais para garantir que as necessidades são resolvidas. O modelo mais recente foi publicado em 2018 no Canadá - Canadian Journal of Bioethics Revue canadienne de bioéthique Sexuality in Rehabilitation: Supporting Canadian Practitioners Conceptually Towards Client Enablement Kevin Reel et Sylvia Davidson.
O compromisso é encorajar, validar e educar
Davis e Taylor [62] desenvolveram ainda mais o PLISSIT (Annon, 1974) com a introdução de reflexão e revisão em cada ponto em que se considera passar de um nível de envolvimento para outro, com a necessidade de regressar à fase de (P)ermissão e obter autorização do utente para passar para a outra fase. Esta representação gráfica (MODELO EX-PLISSIT) destaca a necessidade de atenção contínua à autoconsciência, reflexão, revisão e conhecimento.
Da mesma forma, o encontro inevitável com os valores de cada indivíduo, a consciência ética e a sensibilidade são fundamentais para abordar a sexualidade e a expressão sexual. Identificar onde as habilidades para entender e apreciar não foram demonstradas, focando esforços sobre a sua melhoria, incluindo: linguagem simples em vez de jargões médicos na educação em qualquer conhecimento considerado essencial - formatos variados para transmitir a informação necessária.
O compromisso é encorajar, validar e educar. Tentarmos estar atentos e com sensibilidade para abordar a sexualidade e a expressão sexual, sem preconceitos. Avançar durante as consultas de vigilância com base no consentimento e nos direitos do utente á privacidade e confidencialidade, implicando respeito pelas escolhas sexuais bem como a possibilidade livre, consentida e sem descriminação, nem violência.
E nada melhor para completar este dia do que manter a formação entre equipas, inclusive junto à Unidade de Cuidados na Comunidade que está sempre tão perto dos nossos utentes, e oferecer a todos informação de tudo o que inclui a Saúde Sexual, de forma a regularizar a sua abordagem.