Opinião

«Prevenir e gerir infeções respiratórias em idade pediátrica: o que podemos fazer nos CSP?»


Ângela Santos Neves

Médica de Família na USF Araceti, ULS do Baixo Mondego



As infeções respiratórias agudas (IRA) representam a principal causa de morbilidade em idade pediátrica, com impacto significativo na procura de cuidados em saúde em CSP e também hospitalares.

Dados recentes indicam que até 50% das consultas pediátricas em CSP se devem a IRA, com um número médio de 8 a 12 episódios por criança por ano.

Nos CSP da ULS do Baixo Mondego cerca de 32% dos diagnósticos das consultas de doença aguda corresponderam, em 2024, a infeções respiratórias, percentagem coincidente com a literatura internacional (29 a 50%, Rehman, 2019). Neste estudo, verificou-se que, abaixo dos 2 anos, 75% das crianças tiveram necessidade de uma consulta de doença aguda por IRA em 2024. A faixa etária dos 0 aos 6 anos é particularmente vulnerável, devido à imaturidade do sistema imunitário, à anatomia das vias aéreas superiores e aos fatores ambientais, nomeadamente a frequência de creches e jardins-de-infância.

As IRA distribuem-se entre infeções do trato respiratório superior (rinofaringite, otite média, sinusite, laringite) e inferior (bronquiolite, pneumonia, bronquite aguda). A etiologia é predominantemente viral (80-90%), sendo os principais agentes o rinovírus, o vírus sincicial respiratório ( VSR), o vírus influenza, o adenovírus e o metapneumovírus humano. A coinfeção viral é frequente, sobretudo em crianças até aos 6 anos, com taxas de até 51%, com maior incidência de combinações como adenovírus + rinovírus e VSR + rinovírus.

A bronquiolite e a pneumonia são as principais causas de internamento hospitalar nos primeiros anos de vida, com o VSR a ser responsável por até 70% das bronquiolites.

A pneumonia adquirida na comunidade em idade pediátrica mantém elevada morbilidade e, embora a mortalidade seja reduzida nos países desenvolvidos, continua a ser a principal causa de morte por doença infeciosa em menores de 5 anos a nível global.

O médico de família, inserido numa equipa multidisciplinar de CSP, desempenha um papel essencial na deteção precoce, monitorização clínica e estratificação do risco.

A sua intervenção prolongada ao longo do ciclo de vida da criança permite identificar precocemente sinais de agravamento, otimizar o uso racional de antibióticos e implementar medidas de suporte (hidratação, antipiréticos, lavagem nasal).

Mais do que intervenções reativas, os CSP têm uma função determinante na prevenção: a promoção da vacinação, a educação parental, o seguimento do crescimento e desenvolvimento e a vigilância de fatores de risco (ambiente, nutrição, antecedentes familiares). A promoção da cessação tabágica no ambiente da criança assume um papel importante ao alcance dos CSP. Um estudo realizado em 2017 (Pina, 2017) demonstrou que crianças seguidas em CSP com elevado índice de qualidade (PCATool > 3,41) apresentam risco 43% inferior de hospitalização por pneumonia.

Para este valor contribuem tarefas rotineiras do âmbito dos CSP, nomeadamente a promoção e a garantia do cumprimento do calendário vacinal preconizado, a orientação e a gestão das IRA, a capacitação dos cuidadores e a acessibilidade, permitindo uma intervenção e uma orientação precoces. Adicionalmente, a articulação entre os programas de saúde da criança, da mulher e familiar permite reforçar a continuidade dos cuidados e aumentar a literacia em saúde, impactando positivamente a morbimortalidade respiratória pediátrica.

Em suma, as IRA, apesar de frequentemente autolimitadas, exigem vigilância apertada e atuação estruturada, em que o médico de família assume um papel clínico e preventivo central, essencial para mitigar complicações, evitar hospitalizações e promover a saúde respiratória.


Nota: Este artigo de opinião de Ângela Santos Neves foi escrito para o Jornal Médico, com publicação na edição de dezembro 2025.

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