Opinião
«Gestão da doença respiratória: o papel do enfermeiro em Cuidados de Saúde Primários»
Sónia Almeida
Enfermeira de família, USF João Semana, ULS de Entre Douro e Vouga
Enquanto enfermeira de família numa Unidade de Saúde Familiar, lido todos os dias com utentes que convivem com doenças respiratórias crónicas como a asma e a DPOC. Apesar da elevada prevalência destas patologias, continuo a observar um padrão preocupante: a sua vigilância ainda é muitas vezes insuficiente, sobretudo fora dos momentos de crise. São doenças que, na ausência de sintomas visíveis, acabam por ser negligenciadas – tanto por quem vive com elas como, por vezes, pelos próprios profissionais de saúde.
Foi essa realidade que me levou a defender e a implementar, em parceria com o médico da microequipa, a Consulta de Enfermagem Estruturada para a Doença Respiratória Crónica, como eixo fundamental da vigilância e do controlo destas condições. Esta consulta permite uma abordagem sistematizada e centrada na pessoa, que não se limita à reavaliação pontual do estado clínico, mas que promove a continuidade dos cuidados e o reforço constante do autocuidado. Através dela, temos a oportunidade de intervir precocemente, ajustar terapêuticas e, sobretudo, de capacitar o utente para gerir a sua condição.
A inaloterapia é fundamental no tratamento, permitindo uma ação rápida e localizada, com menor impacto sistémico. Contudo, a sua eficácia depende da correta utilização dos dispositivos. Cabe ao enfermeiro verificar a técnica inalatória, confirmar a adesão ao tratamento e assegurar a compreensão do regime terapêutico, garantindo uma intervenção segura e eficaz.
Na consulta estruturada, consigo avaliar se o utente está a utilizar a medicação corretamente, se compreende a função de cada fármaco e se o dispositivo inalatório é adequado à sua capacidade técnica e cognitiva.
Muitos dos utentes que acompanho referem que nunca tinham tido uma explicação clara sobre a utilização dos inaladores – o que resulta, inevitavelmente, numa má adesão e numa eficácia comprometida. Ao dedicar tempo a esta componente, noto melhorias evidentes não só nos sintomas mas também na segurança e na confiança do utente em relação à sua doença.
Para além do ensino da técnica inalatória, a consulta estruturada permite monitorizar os sinais precoces de descompensação, reforçar hábitos de vida saudáveis e envolver a família no processo de gestão da doença. Sabemos que muitas destas condições afetam o quotidiano familiar e, por isso, incluir os cuidadores informais na educação terapêutica é um passo importante para garantir a adesão e o apoio contínuo em casa.
Os resultados têm sido encorajadores. Tive utentes que passaram a ter a doença controlada por compreenderem melhor a sua medicação, saberem detetar sinais de alerta e adotarem uma rotina estruturada de vigilância. Isso é o poder da educação, da proximidade e da continuidade que a consulta de enfermagem oferece.
Apesar dos avanços, sinto que esta área continua a necessitar de mais reconhecimento e investimento. A Consulta de Enfermagem Estruturada para Doença Respiratória deve deixar de ser uma “boa prática isolada” para se tornar uma norma nos Cuidados de Saúde Primários. Precisamos de formação, metodologia e tempo.
Concluo com a certeza de que uma consulta de enfermagem bem estruturada tem impacto direto na qualidade de vida do utente, na redução de agudizações e na sustentabilidade do Sistema de Saúde. Como enfermeira de família, acredito que temos um papel central e insubstituível nesta missão..png)
Nota: Este artigo de opinião de Sónia Almeida foi escrito para o Jornal Médico, com publicação na edição de dezembro 2025.


